"Há muitos entendimentos da palavra amor. Desde sempre os músicos e poetas cantam e declamam esse grande mistério da humanidade. Porém não vamos nos referir aqui ao amor como paixão entre duas pessoas, relacionado aos desejos e ciúmes, e sim ao amor dos santos, aquele descrito em inúmeras tradições religiosas: o amor por todos os seres, isento de desejo de recompensa. Será que esse sentimento pode se manifestar em todos nós? E caso possa, qual a natureza desse fenômeno?
Para compreender esse grande mistério é necessário lembrar a conhecida máxima ocultista: 'Um é o todo, o todo é um.' Este é um grande axioma do esoterismo, mas será que conseguimos assimilar um conceito tão profundo? Helena Blavatsky, quando apresenta sua constituição septenária do ser humano, define que Ãtman, nosso princípio mais elevado ou espiritual, não é individual, mas coletivo. Ou seja, de acordo com seu sistema de filosofia esotérica, não há um Ãtman para cada ser vivo, mas somente um, compartilhado com todos.
Isso significa que de fato somos apenas um ser, compartilhando manifestações diversas aparentemente fragmentadas: somos diferentes pontos de vista de um mesmo observador. Os mestres de Blavatsky afirmam que esse princípio superior não está em um local inacessível; ele está presente em todos os demais princípios ou veículos da consciência, ou seja, é onipresente.
Devido a isso, no Budismo encontramos o conceito de Anãtman, que poderia ser traduzido como 'não eu': não há, em essência, seres individualizados e separados. Este é um princípio profundo, que exige muito esforço meditativo para que possa não somente ser compreendido em nível intelectual, mas também incorporado em todos os níveis de nossa compreensão e assimilado por nossa alma.
Como esse princípio se relaciona com o amor dos santos, relatado nas escrituras e por inúmeros religiosos, espiritualistas e gurus?
Refletindo sobre o mistério chamado amor, poderíamos descrevê-lo objetivamente como um magnetismo invisível e irresistível que mantém dois ou mais seres conectados pelo período de uma vida, e, em muitos casos, também no período pós-vida, em uma sucessão de manifestações, corpóreas ou não.
Esse magnetismo misterioso e indestrutível é nada menos que a pura percepção da unidade, pois, se de fato somos um só ser, além do entendimento intelectual do conceito, há um momento em que começamos a assimilar em outros níveis essa realidade única. Isso nos desperta para uma outra relação com a vida e com todos os outros entes, animados ou inanimados, já que tudo e todos são simplesmente partes de nós mesmos.
Com essa chave começa a ser possível compreender o sentimento de compaixão, profunda manifestado por todos os Bodhisattvas, que consideram todos por igual, com empatia e paciência infinita com qualquer ser vivo. Pois, de acordo com essa afirmação, simplesmente não existe outro ser, mas extensões ou outras versões de nós mesmos. Portanto, o altruísmo não é uma simples virtude a ser cultivada: o único caminho possível é amar o próximo como a si mesmo, pois o outro sou eu, o único eu possível aquele ou aquilo que também somos nós.
Ao longo da experiência humana, em inúmeras reencarnações, a 'meta' talvez seja a compreensão gradual da realidade única da qual fazemos parte. Este é o desenvolvimento de bodichita descrito no Budismo, uma chama interna que uma vez acesa não se apaga mais, 'a chama eterna do amor imortal."
(Charles Boeira - O amor e a unidade - Revista Sophia, Ano 19. nº 90 - p.11)
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