"Há várias gradações mentais. Talvez você seja racionalista, cheio de bom senso e espírito prático, e não se interesse por ritos e cerimônias. Você quer fatos intelectuais rigorosos e relevantes para convencer-se. Os puritanos e muçulmanos também não admitem imagem ou estátua no recinto de culto. Muito bem. Entretanto, outra pessoa tem um temperamento mais artístico. Deseja cercar-se de arte - a beleza de linhas e curvas, cores, flores, cerimônias; quer velas, luzes e todos os símbolos e acessórios ritualísticos para que possa ver Deus. A mente dessa pessoa apreende Deus por essas formas, enquanto a sua o apreende por meio do intelecto. Há também o homem piedoso; sua alma chora por Deus, a quem ele só pensa em adorar e glorificar. E há ainda o filósofo, que se mantém à parte e de todos zomba. Ele pensa: 'Como são absurdas as ideias que eles fazem de Deus!'
Eles podem rir uns dos outros, mas cada um tem seu lugar no mundo. A diversidade de mentalidades e a variedade de temperamentos são necessárias. Se algum dia existir uma religião ideal deverá ser bastante nobre e ampla para suprir todas essas mentes. Oferecerá ao filósofo a força da filosofia, ao adorador de Deus o coração piedoso, ao ritualista tudo o que o simbolismo mais maravilhoso pode transmitir, ao poeta tanta emoção quanto ele pode aguentar, e assim por diante. Para criar essa religião ampla, teremos de voltar aos primórdios das religiões e adotá-las todas.
Nossa palavra de ordem será então aceitação e não exclusão. Não apenas tolerância, pois esta suposta tolerância geralmente é um insulto, e não estou de acordo com ela. Acredito em aceitação. Por que deveria eu tolerar? Tolerância significa que acho que você está errado e estou apenas permitindo que exista. Não é uma blasfêmia pensar que você e eu estamos consentindo que os outros vivam? Aceito as religiões do passado e presto culto a Deus em todas elas: juntamente com cada uma, adora a Deus na cerimônia ou rito que usarem. Entrarei na mesquita do muçulmano; entrarei na capela do cristão e ajoelhar-me-ei ante o crucifixo do altar; entrarei no templo budista onde me refugiarei em Buda e sua Lei. Entrarei na floresta e sentarei em meditação com o hindu que está tentando ver a Luz que ilumina o coração de cada ser.
Não só farei isso, mas conservarei meu coração aberto para tudo o que vier no futuro. O livro de Deus está terminado ou é uma constante e contínua revelação? É um livro maravilhoso - as revelações espirituais do mundo. A Bíblia, os Vedas, o Alcorão e todas as escrituras sagradas são apenas algumas páginas de um número sem fim que ainda resta para folhear. Eu o deixaria aberto para todos. Vivemos no presente, porém estamos abertos para o futuro infinito. Acolhemos o passado, desfrutamos da luz do presente e abrimos todas as janelas do coração para o tempo que há de vir. Saudações aos profetas antigos, aos grandes seres da nossa época e aos que virão no futuro!"
(Swami Vivekananda - O que é Religião - Lótus do Saber Editora, Rio de Janeiro, 2004 - p. 23/24)