"A natureza do pensamento pode ser estudada a partir de dois pontos de vista: do lado da consciência, que é o conhecimento, ou do lado da forma pela qual o conhecimento e obtido, cuja suscetibilidade a modificações torna possível a obtenção do conhecimento. Esta possibilidade conduziu aos dois extremos da filosofia, e ambos devemos evitar, porque cada um ignora um lado da vida manifestada. Um considera tudo como consciência, ignorando a essencialidade da forma como condicionante da consciência, em como torná-la possível. O outro considera tudo como forma, ignorando o fato de que a forma só pode existir em virtude da vida que a anima. A forma e a vida, a matéria e o espírito, o veículo e a consciência, são inseparáveis em manifestação, e são os aspectos indivisíveis DAQUILO a que são inerentes. AQUILO que não é nem a consciência nem o seu veículo, mas a RAIZ de ambos. Uma filosofia que tenta explicar tudo através das formas, ignorando a vida, encontrará problemas que é totalmente incapaz de resolver. Uma filosofia que tenta explicar tudo através da vida, ignorando as formas, encontrar-se-á confrontada com paredes mortas que não pode superar. A palavra final sobre isto é que a consciência e os seus veículos, vida e forma, espírito e matéria, são expressões temporárias dos dois aspectos de uma Existência não condicionada, não é cognoscível, exceto quando manifestada como Espírito Raiz (chamada pelos hindus:
Pratyagatman), o Ser abstrato, o
Logos abstrato de onde todos os eus individuais, e a Matéria-Raiz (
Mula-prakriti) de todas as formas. Sempre que a manifestação tem lugar, este Espírito-Raiz da à luz uma consciência tripla, e essa Matéria-Raiz a uma matéria tripla; subjacente à Realidade Una, para sempre incognoscível pela consciência condicionada. A flor não vê a raiz de onde cresce, embora toda a sua vida seja extraída dela e sem ela não poderia existir.
O Eu como Conhecedor tem como função característica o espelhamento dentro de si mesmo do Não Eu. Como uma placa sensível recebe raios de luz refletidos dos objetos, e esses raios causam modificações no material em que caem, de modo a que imagens dos objetos possam ser obtidas, o mesmo acontece com o Eu no aspecto conhecimento em relação a tudo o que é exterior. O seu do veículo é uma esfera em que o Eu recebe do Não Eu os raios refletidos do Eu Uno, fazendo aparecer na superfície desta esfera imagens que são os reflexos daquilo que não é ele próprio. O Conhecedor não conhece as coisas em si mesmo nas fases iniciais da sua consciência. Ele conhece apenas as imagens produzidas no seu veículo pela ação do Não Eu no seu invólucro responsivo, as fotografias do mundo exterior. Daí que a mente, o veículo do Eu como Conhecedor, tenha sido comparada a um espelho, no qual são vistas as imagens de todos os objetos colocados perante ele. Nós não conhecemos as coisas em si, mas apenas o efeito produzido por elas na nossa consciência; não os objetos, mas as imagens dos objetos, estes são o que encontramos na mente. Como o espelho parece ter os objetos dentro dele, mas esses objetos aparentes são apenas imagens, ilusões causadas pelos raios de luz refletidos a partir dos objetos, não os objetos em si; também a mente, no seu conhecimento do universo exterior, conhece apenas as imagens ilusivas e não as coisas em si mesmas.
Estas imagens, feitas no veículo, são percebidas como objetos pelo Conhecedor, e esta percepção consiste na sua reprodução das mesmas em si próprio. Ora, a analogia do espelho, e o uso da palavra 'reflexão' no parágrafo anterior, são um pouco enganadores, pois a imagem mental é uma reprodução e não um reflexo do objeto que a causa. A matéria da mente é na realidade moldada à semelhança do objeto que lhe é apresentado, e esta semelhança, por sua vez, é reproduzida pelo Conhecedor. Quando ele portanto se modifica assim à semelhança de um objeto externo, diz-se que conhece esse objeto, mas no caso considerado, o que ele conhece é apenas a imagem produzida pelo objeto no seu veículo, e não o próprio objeto. E esta imagem não é uma reprodução perfeita do objeto, por uma razão que veremos no próximo capítulo.
'Mas', pode-se dizer, 'será assim para sempre? Nunca saberemos as coisas em si mesmas?' Isso leva-nos à distinção vital entre a consciência e a matéria em que a consciência está trabalhando, e com isso podemos encontrar uma resposta a essa questão natural da mente humana. Quando a consciência, por longa evolução, desenvolveu o poder de reproduzir em si mesma tudo o que existe fora dela, então o invólucro de matéria em que tem funcionado desprende-se, e a consciência, que é o conhecimento, identifica o seu Eu com todos os Eus no meio dos quais tem evoluído, e vê como o Não Eu apenas a matéria ligada de igual modo com todos os Eus individualmente. Este é o 'Dia do esteja conosco', a união que é o triunfo da evolução, quando a consciência conhece a si própria e aos outros, e conhece os outros como a si própria. Por semelhança da natureza, o conhecimento perfeito é atingido, e o Eu percebe aquele estado maravilhoso onde a identidade não perece e a memória não se perde, mas onde a separação encontra o seu objetivo final, e o conhecedor, o conhecer e o conhecimento são um só.
É esta natureza maravilhosa do Eu que evolui em nós através do conhecimento no momento presente, que temos de estudar, a fim de compreender a natureza do pensamento, e é necessário ver claramente o lado ilusório para que possamos utilizar a ilusão para transcendê-lo. Assim, vamos agora estudar como o Conhecer - a relação entre o Conhecedor e o Cognoscível é estabelecida, e isso nos levará a ver mais claramente a natureza do pensamento."
(Annie Besant - O Poder do Pensamento - Ed. Teosófica, Brasília, 2021 - p. 21/25)
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