"Quando a sua solução falsa é uma negação do sentimento, do amor e da vida, ela é uma defesa contra a possibilidade de ser ferido. Somente depois de uma visão considerável de si mesmo é que você se dará conta de quão irreal e limitado é esse 'remédio'. Você vai querer mudar e vai preferir aceitar a dor à alienação de não sentir nada, ou muito pouco. Prosseguindo com o trabalho e atravessando corajosamenteos períodos temporários de desânimo e resistência, você vai chegar ao ponto no qual essa concha endurecida se quebra e você não está mais morto por dentro.
A primeira reação, porém, não será agradável, nem pode ser. Todas as emoções negativas reprimidas, bem como a dor reprimida, a princípio virão para a consciência e então parecerá que você estava certa ao reprimi-las. Só depois de prosseguir com o trabalho é que você obterá a recompensa, sob a forma de sentimentos bons e construtivos.
Se a sua solução falsa é a submissão, a fraqueza, o desamparo e a dependência como meios de conseguir os cuidados de alguém - não necessariamente no âmbito material, mas emocionalmente - essa é igualmente uma solução limitada e insatisfatória. A dependência constante de outras pessoas cria medo e desamparo. Ela aumenta ainda mais a sua falta de confiança em si mesmo. Enquanto a solução do retraimento fez de você um morto quanto aos sentimentos, privando-o do significado maior da vida, a solução da submissão rouba de você a independência e a força, e cria não menos isolamento que o retraimento, embora o faça através de um caminho interno diferente. Originalmente, você queria evitar a dor munindo-se de uma pessoa forte para cuidar de você. Na realidade você inflige mais dor sobre si mesmo porque não é possível encontrar essa pessoa. Essa pessoa tem que ser você mesmo.
Ao fazer-se deliberadamente de fraco, você exerce a mais forte das tiranias sobre os outros. Não existe tirania mais forte que aquela que uma pessoa fraca exerce sobre os mais fortes, ou sobre todo o seu ambiente. É como se essa pessoa estivesse sempre dizendo: 'Sou tão fraca! Você tem de me ajudar. Sou tâo indefesa! Você é responsável por mim. Os erros que eu cometo não contam porque eu não sei fazer de outro modo. Eu não posso evitar. Você deve ser indulgente comigo todo o tempo e permitir que eu escape das consequências. Não se pode esperar que eu assuma total responsabilidade pelas minhas ações ou ausência delas, por meus pensamentos e sentimentos ou pela falta deles. Eu posso falhar porque sou fraco. Você é forte e portanto tem que compreender tudo. Você não pode falhar porque o seu fracasso iria me afetar.' A autoridade preguiçosa e auto-indulgente dos fracos impõe exigências estritas às outras criaturas. Isso se torna evidente se a expectativa não verbalizada e o significado das reações emocionais forem investigadas e então interpretadas sob a forma de pensamentos concisos.
É uma falácia pensar que a pessoa fraca é inofensiva e fere menos as outras pessoas que aquela que é agressiva e dominadora. Todas as falsas soluções trazem dor implícita à personalidade, assim como aos outros. Pelo retraimento, você rejeita os outros e retém o amor que quer dar a eles e que eles, por sua vez, querem receber de você. Pela submissão, você não ama, apenas espera ser amado. Você não vê que os outros também têm as suas vulnerabilidades, suas fraquezas e necessidades. Você rejeita por inteiro essa parte da natureza humana das outras pessoas e, assim, você as fere. Através da solução agressiva, você afasta as pessoas e as machuca abertamente com falsa superioridade. Em todos os casos, você fere os outros e, assim, inflige um ferida ainda maior em si mesmo. E essa ferida não pode deixar de trazer consequências. Portanto, as falsas soluções, destinadas a eliminar a dor original , apenas trazem consigo mais dor.
Todas as falsas soluções são incorporadas à sua auto-imagem idealizada. Uma vez que a natureza da auto-imagem idealizada é o auto-engrandecimento, ela o separa dos outros. Uma vez que a natureza dela é a separação, ela isola você e o faz solitário, bem como a todos os que se relacionam com você. Visto que a sua natureza é falsidade e fingimento, ela o aliena de si mesmo, da vida e dos outros. Tudo isso deve inevitavelmente cusar-lhe dor, mágoa, frustração, insatisfação. Você escolhe uma saída para a dor e para a frustração, mas esse caminho provou ser não apenas inadequado, mas traz ainda mais daquilo que você queria evitar. Contudo, reconhecer claramente essa fato e juntar os elos dessa cadeia requer o trabalho ativo da pesquisa sincera de si mesmo.
O perfeccionismo que está tão profundamente arraigado em você e na sua auto-imagem idealizada torna impossível aceitar a si mesmo e aos outros, aceitar a vida na sua realidade, e você, portanto, é incapaz de lidar com ela e resolver tanto os seus próprios problemas quanto os problemas da vida. Isso faz com que você se abstenha da experiência de viver no seu verdadeiro sentido.
Se você se tornou, pelo menos até um certo ponto, consciente de algumas das suas imagens, falsas soluções e da natureza da sua auto-imagem idealizada particular, talvez você tenha a esta altura um vislumbre da maneira pela qual você é alienado de si mesmo e perfeccionista. Deu-se conta, portanto, da extensão do dano causado a você mesmo e aos outros. Você pode estar próximo do limiar que abre o caminho para uma nova vida interior, uma vida que contém a disposição emocional de abandonar todas as defesas. Caso ainda não tenha chegado até lá, você vai aproximar-se dessa fase muito em breve, desde que continue o seu trabalho com disposição interior.
O mero exercício de observar constantemente as próprias emoções e reações irreais e imaturas enfraquece o seu impacto e inicia um processo de dissolvê-las, por assim dizer, automaticamente. Quando uma certa dissolução tiver acontecido, a psique estará pronta para cruzar o limiar; mas o ato de cruzá-lo é doloroso no início." ... continua.
(Eva Pierrakos e Donovam Thesenga - Não Temas o Mal - Ed. Cultrix, São Paulo, 1993 - p. 107/109)
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