"(...) Queremos sempre saber o que fazer com a negatividade e com certas emoções perturbadoras. Na amplitude da meditação, você pode observar seus pensamentos e emoções com um atitude sem nenhum viés. Quando a sua atitude muda, muda junto toda a atmosfera de sua mente e muda até mesmo a própria natureza de seus pensamentos e emoções. Quando
você se torna mais agradável,
eles também se tornam; se não tem dificuldades com eles, eles não terão dificuldades com você também.
Assim, não importa que pensamentos e emoções apareçam, permita que eles venham e assentem, como as ondas do oceano. Não importa o que se perceba pensando, deixe esse pensamento surgir e assentar, sem interferência. Não se apegue a ele, não o alimente, não lhe preste demasiada atenção; não se agarre a ele e não tente dar-lhe solidez. Nem siga ou convide os pensamentos; seja como o oceano olhando para suas próprias ondas ou o céu que do alto observa as nuvens que passam por ele.
Muito cedo descobrirá que os pensamentos são como o vento; eles vêm e vão. O segredo não é 'pensar' sobre os pensamentos, mas deixar que eles fluam através da mente enquanto você a mantém livre de pensamentos supervenientes.
Na mente ordinária percebemos a corrente de pensamentos como se fosse contínua; mas não é bem isso o que acontece. Você descobrirá por si mesmo que há um intervalo entre cada pensamento. Quando o pensamento passado já passou e o futuro pensamento ainda não chegou, você encontrará sempre uma brecha na qual Rigpa, a natureza da mente, se revela. O trabalho de meditação, assim, consiste em tornar mais lentos os pensamentos; a fim de tornar aquele intervalo mais e mais evidente.
Meu mestre teve um estudante chamado Apa Pant, um destacado diplomata e autor indiano que serviu como embaixador da Índia em várias capitais ao redor do mundo. Ele foi até representante do governo da Índia no Tibete, em Lhasa, e noutro momento no Sikkim. Era praticante de meditação e de ioga, e cada vez que via meu mestre perguntava-lhe 'como meditar'. Seguia uma tradição oriental em que o estudante continua interrogando o mestre com uma pergunta simples e básica, repetidamente.
Apa Pant me contou essa história. Um dia nosso mestre Jamyang Khyentse estava observando uma 'Dança do Lama' em frente do palácio-templo em Gangtok, capital do Sikki, e ria-se das cabriolas do atsara. o palhaço que representa divertimentos leves entre as danças. Apa Pant continuava assediando nosso mestre, e desta vez, quando este respondeu, deixou claro que seria a resposta final e definitiva: 'Veja, é isso aqui quando o pensamento passado acaba e o futuro ainda não começou, não há um intervalo?'
- 'Sim', disse Apa Pant.
-Pois é, prolongue-o: isso é meditação.'"
(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Palas Athena, São Paulo, 2000 - p. 107/108)
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