"PERGUNTA: Como se pode conhecer e sentir de maneira inequívoca a realidade, a significação exata e imutável de uma experiência que é a verdade? Toda vez que tenho o percebimento de uma realidade e sinto ser Verdadeira essa experiência, diz-me alguém, se lha comunica, que estou iludindo a mim mesmo. Sempre que penso haver compreendido, vem alguém dizer-me que estou na ilusão. Haverá uma maneira de saber o que é verdadeiro, em mim, sem ilusão nem engano?
KRISHNAMURTI: Toda forma de identificação conduz necessariamente à ilusão. Existem a ilusão psiquiátrica e a ilusão psicológica. Quanto à ilusão psiquiátrica, sabemos as providências que se devem tomar. Quando um indivíduo se julga Napoleão ou um grande santo, sabeis a maneira de se atender ao caso. Mas a identificação e ilusão de natureza psicológica é coisa de todo diferente. O indivíduo político ou religioso identifica-se com a nação ou com Deus. Ele é a nação, e, se tem talento, torna-se um pesadelo para o resto do mundo, quer pacífica, quer violentamente. Há várias formas de identificação: a identificação com a autoridade, com a nação, com uma ideia; a identificação com uma crença, que nos leva a fazer toda espécie de coisas; com um ideal, pelo qual estamos prontos a sacrificar tudo e todo o mundo, inclusive a nós mesmos e a nação, com o fim de alcançar o que desejamos; identificação com uma Utopia, pela qual forçais outras pessoas a se moldarem por um determinado padrão; e, por fim, a identificação do ator, que desempenha papéis diferentes. E a maioria de nós está na situação do ator, desempenhando os nossos papéis consciente ou inconscientemente.
Nossa dificuldade, pois, está em que nos identificamos com a nação, com um partido político, com a propaganda, com uma crença, com uma ideologia, com um chefe. Tudo isso é uma só espécie de identificação.
E temos, ainda, a identificação com nossas próprias experiências. Tive uma experiência, algo que me fez vibrar; e quanto mais eu me demoro nela, tanto mais intensa, tanto mais romântica, sentimental, tanto mais adulterada ela se torna; e a essa experiência dou o nome de Deus — vós bem sabeis por quantas maneiras sabemos enganar a nós mesmos. Por certo, a ilusão surge sempre que me apego a alguma coisa. Se eu tive uma experiência, agora acabada, terminada, e retorno a ela, estou na ilusão. Se desejo que uma coisa se repita, se persisto na repetição de uma experiência, isso inevitavelmente me conduzirá à ilusão. Assim, pois, a base da ilusão é a identificação — identificação com uma imagem, com uma ideia de Deus, com uma voz, e com experiências a que nos apegamos ardorosamente. Não é à experiência que nos apegamos, mas, sim, à sensação da experiência, a qual sensação tivemos no momento de 'experimentar'. Um homem que se cercou de vários métodos de identificação, está vivendo na ilusão. Um homem que crê, por causa de uma sensação, por causa de uma ideia a que se apega, vive necessariamente na ilusão, a enganar a si próprio. Assim sendo, qualquer experiência que se passa em vós e à qual voltais, ou que rejeitais, não pode deixar de conduzir à ilusão. Só se extingue uma ilusão, quando compreendeis uma experiência e não ficais apegado a ela. Esse desejo de possuir é a base da ilusão, da arte de enganar a si mesmo. Vós desejais ser alguma coisa; e esse desejo de ser alguma coisa precisa ser compreendido para que se compreenda o processo da ilusão, do enganar-nos a nós mesmos. Se penso que serei um grande instrutor, um grande Mestre, ou Buda, ou X, Y, Z, na minha próxima vida, ou se penso que o sou atualmente e me apego a essa ideia, devo certamente estar numa ilusão; porque estou vivendo de uma sensação, que é uma ideia, e a minha mente se nutre de idéias, tanto verdadeiras, como falsas. (...)"