"A entrada neste mundo se faz com sofrimento, seja para a mãe, seja para a criança, abrindo caminho nas entranhas maternas. Deixar o corpo, em geral, também é motivo de sofrimento. Ao longo da vida, o sofrimento nos acompanha como 'a roda do carro que segue a pata do boi que o puxa'. Esse boi pode muito bem ser representado por nossa natureza anímica, fundamentada no desejo. Conforme o Budismo, aí reside a causa do sofrimento.
O Budismo ensina também o Caminho do Meio, onde o desejo pode ser usufruído em sua face benigna, preservadora de geração e da manutenção da vida. Além de estar por trás da união do macho com a fêmea, do impulso de comer um doce, de comprar um carro, o desejo preside o nascimento do universo pela união do pai e mãe cósmicos, desdobrados de Deus (absoluto): o espírito e a matéria, tornando o desejo a base da manifestação.
Portanto, nosso problema não está exatamente no desejo, mas no excesso, que alimenta a gula, a inveja, a competitividade, a violência. Nunca paramos de desejar; nossa satisfação sempre depende de que algo aconteça. Porém, quando esse algo acontece, um vazio latente sufoca a alegria ante o objeto de desejo conquistado. Não é essa a continuidade sem fim do sofrimento, de que trata o Budismo?
Eckhart Tolle, em O Despertar de uma nova consciência, afirma que esse fato está associado ao 'corpo de dor'. Vivendo de nossas tendências para o confronto, atração pelo perigo, filmes de terror e outras paixões estranhas - considerando o instinto de preservação do ego - o prazer desse corpo é se alimentar de sofrimento. A explicação pode estar nas vidas elementais, que evoluem 'para baixo', em simbiose com a negatividade humana, enquanto esta quebra as referências de proteção e conforto do ego. Nada é desperdiçado na economia universal.
Pagamos o preço. Jamais desistimos. Por quê? O motivo é o tesouro oculto na essência dessa busca, à espera talvez de nosso último desejo como seres humanos. Trata-se da paz que intuitivamente sabemos existir, como algo inerente à autossuficiência do espírito (somente por já existir é que pode ser real). Às vezes percebemos a paz no sentimento de 'estar em tudo' ou 'conter tudo' que a meditação provoca. Abre-se então um espaço de silêncio dentro de nós, uma ausência de pensamento. Tudo acontece nesse silêncio, levando afinal ao samadhi, a realização de nossa natureza divina. (...)"
(Walter S. Barbosa - Sofrer ou crescer - Revista Sophia, Ano 13, nº 55 - p. 05/06)