"Durante o período de luta, o questionamento a respeito da finalidade da vida e da própria natureza humana surge espontaneamente; as respostas que chegam, no entanto, não respondem às perguntas, mas as eliminam pela própria experiência da realidade. Portanto, com relação ao mistério humano em si, a resposta não é uma exposição intelectual da constituição do homem, porém a consciência de seu próprio Ser interno e, como consequência, a descoberta do mundo desse Ser. Quando, a partir de tal mundo, consideramos o problema da dualidade que experimentamos em nossa vida diária - de um Ser superior, de um lado, e de um eu inferior, de outro -, encontramos uma admirável verdade.
O homem é essencialmente divino; como filho de Deus, participa da natureza de seu Pai, de cuja Divindade partilha. Portanto, o verdadeiro Lar do homem é o mundo da Divindade, onde vivemos e nos movemos, e temos o nosso ser, 'de eternidade a eternidade'.
Em Seu próprio mundo, o Ego humano tem suas atividades e desfruta uma vida de júbilo e esplendor, além de toda concepção terrena. Há, no entanto, uma experiência ou lição que ele não poderá aprender, para o que ele terá que transferir sua consciência aos mundos de manifestação externa, onde existe a multiplicidade e a antítese do Eu e do não Eu. Somente nesses mundos, e por meio de corpos constituídos de matéria a partir deles, pode o Ego conquistar autoconsciência, ou seja, consciência de si próprio como individualidade separada. No mundo divino, a verdadeira morada do Ego, não há distinção entre o Ser e o não Ser, pois que nele cada fragmento participa da consciência universal da totalidade. Por essa razão, nesse mundo, a autorrealização necessário ao Ego não poderá ser obtida. Tão só no trino universo de manifestação externa, constituído pela existência física, emocional e mental, achamos a dualidade de objeto e sujeito, fundamental à aquisição de autoconsciência. Portanto, é verdadeiramente para obtenção de conhecimento que o Ego coloca a si próprio nesses mundos externos e assume corpos da matéria desses mundos. Essa transferência da Alma aos mundos de trevas é simbolicamente descrita no Gênesis.
O Paraíso primitivo não é um estado que possa perdurar, por maiores que sejam a beleza e a harmonia. A Alma tem de comer da árvore do bem e do mal, da árvore do conhecimento, mesmo à custa do Paraíso. Uma vez experimentado o desejo de conhecer os mundos da matéria, reveste-se a Alma das 'vestimentas de pele' ou corpos materiais, e tem então de viver sujeita às condições da existência material e 'ganhar o pão com o suor de seu rosto'.
A finalidade desse longo exílio é a redenção ou regeneração, que ocorre quando a Alma recobra o conhecimento de sua divindade essencial e Cristo nasce no coração do homem. Então o Paraíso é recuperado; agora, com plena consciência de si mesmo, o Ego possui em seu Lar divino os frutos produzidos pela descida da Alma aos mundos da matéria."
(J.J. Van Der Leeuw - Deuses no Exílio - Ed. Teosófica, Brasília, 2013 - p. 16/18)