"Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem corroem, e onde os ladrões irrompem e roubam.
Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem corroem, e onde os ladrões não irrompem nem roubam.
Porque onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração.
Repete aqui Jesus o que já ouvimos antes, que uma das condições mais importantes para começar a viver com êxito a vida espiritual é ter um discernimento correto - discernimento entre o eterno e o não-eterno. Quanto mais cultivamos esta faculdade, mais perdemos a nossa sede de tesouros efêmeros do mundo objetivo, e nos voltamos para os tesouros eternos e infinitos do paraíso. O filósofo Spinoza definiu assim esse discernimento espiritual:
'A julgar por seus atos, entre as coisas que os homens têm em mais alta conta estão as riquezas, a fama ou o prazer sensual. Destas, a última é acompanhada da saciedade e arrependimento; as duas outras jamais se saciam: quanto mais temos, mais desejamos; quanto ao amor da fama, induz-nos ele a orientar nossas vidas pelas opiniões alheias. Mas se uma coisa não é amada, não se levantarão disputas a seu respeito, não haverá tristeza caso ela desapareça, nem tristeza se outra pessoa a possuir; em suma, a mente não se perturbará. Estas coisas todas brotam do amor por aquilo que desaparece. Entretanto, o amor por algo eterno e infinito enche a mente toda de alegria e está imune de qualquer tristeza.'
A finalidade da vida, nas palavras dos Upanishads, é 'alcançar a bem-aventurança permanente em meio aos prazeres fugazes da vida'. E essa bem-aventurança permanente é a bem-aventurança de Deus. Absorver-se na consciência de Deus é entrar em seu reino.
Muitos de nós compreendemos intelectualmente que a finalidade da vida é a percepção de Deus, e que os prazeres mundanos existem apenas por um instante. No entanto, nossos corações não correspondem, porque adquirimos o hábito de achar prazer nos objetos sensíveis. Precisamos, então, criar o hábito novo de encontrar alegria em Deus. O Irmão Lawrence disse: 'Para conhecer Deus precisamos pensar nEle com frequência; e, chegando a amá-Lo, passaremos a pensar nEle constantemente: pois o nosso coração estará com o nosso tesouro.'
Em outros termos, uma vez que tenhamos decidido que desejamos tesouros no céu, e não um tesouro na terra, precisamos aprender a unir nossos corações a Deus. Não importa quão frequentemente mostremos fraqueza e esqueçamos de praticar o recolhimento: haveremos de atingir finalmente o objetivo, na medida em que continuarmos a tentar. Uma criancinha tenta andar: quem a vê caindo a toda hora acha impossível que ela ainda o consiga. Mas ela se levanta, a cada tombo, porque o desejo dentro dela é muito forte; e, por fim, ela consegue caminhar em pé, sem tropeçar. De modo semelhante, não haverá fracasso na vida espiritual enquanto não desistirmos de lutar. E não haveremos jamais de desistir dela se estivermos firmemente convencidos no coração e na mente de que Deus é o nosso único tesouro."
(Swami Prabhavananda - O Sermão da Montanha Segundo o Vedanta - Ed. Pensamento, São Paulo, 2007 - p. 108/109)