"Consideremos o caso de um homem que anseia por
bebida. Ele conhece o sofrimento que a sua fraqueza lhe ocasiona; sabe que
utiliza mal seu salário e deixa sua família à míngua; e, em seus momentos de
lucidez, resolve abandonar aquele vício. Então ele passa por diante de uma
taberna, vê sair e entrar gente, e talvez ainda sinta o odor da bebida. Até
aquele momento esteve livre de tentação e da consequente luta. Mas, que sucede
agora? Naquela fração de segundo, se imagina bebendo – cria uma imagem mental;
e por um momento vive e atua naquela forma mental como se, com efeito,
usufruísse da bebida. Experimenta a possível satisfação de sua ânsia, mas em
realidade não faz mais que intensificá-la, tornando a ação quase inevitável.
Uma vez produzida a imagem, evoca tardiamente sua vontade dizendo: ‘Não quero
fazer isso’. Mas já é demasiado tarde, e a luta é praticamente em vão. Uma vez
criada a imagem mental, segue-se geralmente a consumação da mesma em ação. Sem
dúvida, às vezes a imagem não é bastante vigorosa, e é possível repeti-la. Mas
mesmo assim há a luta, desgaste dos corpos e sofrimento como resultado. O
melhor caminho é impedir que se forme a criadora imagem mental e intervir
quando ainda seja eficaz a intervenção.
A imaginação indisciplinada causa sofrimento mais
graves do que se supõe. As inumeráveis ocasiões em que tantos não puderam
dominar suas paixões, especialmente a luxúria, foram resultados de uma
imaginação indisciplinada e não de uma vontade fraca. Pode-se sentir um forte
desejo, mas é o pensamento criador que acarretará a ação.
A maioria das pessoas não dá importância a suas
imaginações, devaneios ou pensamentos e pensam que eles sejam inofensivos por
não serem tangíveis ou visíveis à visão ordinária. Contudo, constituem o único
perigo. A quem experimente um intenso desejo sexual, não haverá perigo em ver
ou pensar no objeto de seu desejo, a menos que ao pensamento acompanhe a imagem
mental de estar saciando o seu apetite. O risco começa quando se imagina a si
mesmo em ato de satisfação do desejo e quando se consente que o desejo
fortaleça a imagem criada.
Um homem pode estar rodeado de objetos de desejo e,
contudo, não experimentar perturbação nem dificuldade alguma, contanto que não
permita que sua imaginação, seu poder mental criador, reaja a tais objetos.
Nunca temos suficiente percepção de que os objetos de desejo não têm por si
poder algum, a menos que nos permitamos reagir a eles, a menos que busquemos
saciá-los em imagens criadora. Mas, uma vez que o tenhamos feito, a luta
sobrevém certamente. Consideramos o que pensamos como nossa vontade, e tentamos
escapar dos resultados de nossa própria imaginação por meio de uma resistência
frenética, Poucos compreenderam que a resistência agitada e ansiosa inspirada
pelo medo é algo muito diferente da Vontade."
(J. J. Van Der
Leeuw - Deuses no Exílio - Ed. Teosófica, Brasília, 2013, p. 29/30)