"(...) Kabir, um grande místico indiano, disse que é quando o sono não vem que a pessoa se apoquenta com a arrumação da cama e o arranjo dos travesseiros. Somente a dançarina que não sente a dança em si é a que se queixa do palco, do soalho e da decoração. É quando a vida interna feneceu que as dificuldades objetivas parecem intransponíveis. Assim, é a falta de interesse profundo que arrefece o entusiasmo humano. O ser humano está ressequido por dentro e procura renovação de fora! Nenhuma mudança na condição objetiva, nenhuma alteração na disposição do Karma lhe trará renovação, enquanto não penetrar nas reais profundezas de seu próprio ser.
É possível ao ser humano cultivar um interesse profundo pela vida? Pode o interesse ser criado - ou é tão somente um dom do Karma? É a vida espiritual assunto de mero subjetivismo, negando toda a realidade às condições objetivas? Não tem o ser espiritual que trabalhar na mudança das circunstâncias objetivas? As condições objetivas visam servir de áreas de expressão para o ser humano. Portanto, necessitam ser mudadas e alteradas de tempos em tempos, de forma a não causarem restrição às suas necessidades de expressão. Em outras palavras, as circunstâncias objetivas são instrumentos de expressão. Pode-se alterar um instrumento, decorá-lo, porém, se não houver a música dentro do coração, que utilidade terá aquele instrumento? Assim, a música do coração deve preceder todas as atividades de mudança e polimento do instrumento. A mudança de condições objetivas deve seguir - não preceder - o despertar do interesse profundo. Se esperarmos que o interesse desperte como um resultado de mudanças objetivas, estamos então completamente enganados. Podemos ser colocados em uma nova situação pelos Senhores do Karma e nem assim serão vistas as belezas do novo ambiente, se a mente for obtusa e insensível. Se há profundo interesse, as mudanças no meio objetivo, quando necessárias, se produzirão de maneira silenciosa e suave. Mesmo que a situação não possa ser mudada, o homem de profundo interesse e entusiasmo verterá nova vida e vitalidade nas velhas formas do meio ambiente. Quando há a dança interna, a dançarina bailará em qualquer lugar e transmitirá frescor à situação antes lânguida e decadente. Não é o que faz o poeta com a linguagem que lhe é dada?
A experiência de todos os místicos espirituais é de que as dificuldades objetivas são varridas pelo impacto do entusiasmo nascido do interesse profundo. Entusiasmo e interesse profundo são fenômenos conjugados, ou então podemos também dizer que um é a expressão e o outro a fonte. O entusiasmo surge somente num estado de interesse profundo intrinsicamente presente, não de forma relativa, porém absolutamente presente no indivíduo. Realmente significa que o interesse não é por alguma coisa, nem em relação a algo particular. É somente o estado de puro interesse que serve de base para o verdadeiro entusiasmo. O interesse por alguma coisa só produz superficialidade, porque constitui entrave para a mente. Uma sensibilidade apenas por alguma coisa não é de modo algum sensibilidade, porque pelo processo inconsciente da resistência, ela torna a mente insensível a outras coisas. A mente aberta unicamente a uma coisa é uma mente fechada. Assim, a condição de puro interesse é que é essencial para o despertar do entusiasmo. (...)"
(Rohit Mehta - Procura o Caminho - Ed. Teosófica, Brasília - p. 12/14)