"No princípio era NADA. A necessidade de ser TUDO
lançou-o como chispa divina; incolor, inovadora, insalubre, inócua, insossa.
Sem passado, sem história. A lei da evolução, inclemente em seu dever,
empurrou-o para baixo. Era o reino elementalmente superior, inferior e astral –
e dele tudo aprendeu.
Foi ainda mais fundo. Adquiriu um corpo duro, áspero,
resistente, moldado pelo fogo e esculpido pelo vento. Era uma rocha, que por um
período incomensurável e de cima de sua imobilidade, assistiu ao tempo passar e
a vida correr. Como tal, também tudo aprendeu. Da humildade do pó à magia do
diamante. Aprendeu sobre luz, cor e formas. Não havia nada mais para fazer.
Era hora de seguir adiante. Esverdeou. De susto? Não!
De clorofila. Já não era tão imóvel. Balançava-se ao vento e curvava-se sob as
tempestades. Aprendeu alquimia. Alquimia? Alquimia, sim. Ao transformar luz
solar, água e terra em nutrientes. Aprendeu a nascer e morrer. Aprendeu a
sentir uma leve perturbação – eram os primórdios da emoção. Aprendeu a esconder
os seus segredos numa semente pequenina. Aprendeu sobre a beleza. Da humildade
do musgo ao esplendor do lírio. Aprendeu sobretudo a respeito de altruísmo –
doando sombra, alimento, etc. Aprendeu tudo.
A lei continua a empurrá-lo. Vamos em frente, não
podemos parar! E emergiu num outro reino. A princípio, timidamente. Tinha uma
só célula. Depois foi ficando mais corajoso. Descobriu o ‘ir e vir’. A leve
perturbação anterior ficou mais clara, mais forte, mais potente – eram o amor,
o ódio, o medo. Precisou trabalhar para se relacionar. Não estava mais sozinho.
Paria, caçava, amava. Desenvolveu uma sabedoria animal – o instinto. Enxergava,
ouvia, saboreava, tocava e cheirava. Sua história havia transposto a fase da
introdução. Estava ficando rica de experiências e de lições. Da humildade do
verme à inteligência do cão. Aprendeu sobre o homem e foi a sua mais difícil
lição. Por ele morreu e nele nasceu.
Pulando de reino, foi agraciado com uma mente. E sua
primeira percepção foi a grande utilidade de todas as outras lições. Agora sob
a ótica de uma consciência. Ganhou o privilégio da autonomia. Sua alma não era
mais coletiva. Estava separado dos demais semelhantes. Apenas dele dependia sua
viagem de volta a Casa. Isso era bom? Só o futuro lhe diria.
Mas o ‘pensar’ era maravilhoso, assim como o ‘criar’,
o ‘descobrir’, o ‘aprender’ conscientemente. Nada havia em sua vida que o
superasse. Era o maior, o melhor, o mais poderoso, o único em todo o universo
que ele via.
Porém, alguma coisa o incomodava. Apesar de ser
superior a tudo e todos, não tinha resposta para todas as perguntas. Neste
ponto de sua viagem, fez sua mais importante descoberta. Havia algo superior
que criara o próprio universo. Dele havia se originado e para Ele voltaria. Sua
história seria a história Dele. Seu passado, presente e futuro seriam o
passado, presente e futuro Dele. E, humildemente, reconheceu que todo o seu
conhecimento, adquirido ao longo do caminho, lhe havia revelado que quase nada
sabia e que havia muito a aprender."
(Ismênia
Cavalcanti Azambuja – Humildade - Revista Sophia, Ano 1, nº 1 – Pub. da Ed.
Teosófica, Brasília - p. 09)