"O problema da felicidade é o problema central e máximo da humanidade.
Desde tempos antiquíssimos existem duas ideologias filosófico-espirituais sobre o segredo da felicidade humana - 'essa felicidade que supomos... toda arreada de dourados pomos', como diz Vicente de Carvalho, mas que 'está sempre apenas onde a pomos, e nunca a pomos onde nós estamos'.
Existe essa felicidade, 'árvore milagrosa, que sonhamos'? Em que consiste? Como alcançá-la? Como conservá-la?
A felicidade existe, sim, não fora de nós, onde em geral a procuramos, mas dentro de nós, onde raras vezes a encontramos.
Em que consiste a felicidade?
A célebre escola filosófica de Epicuro (hedonismo) faz consistir a felicidade na posse e plenitude de bens externos; tanto mais feliz é o homem, segundo os epicureus, quanto mais possui, tem, goza.
A escola de Diógenes (cinismo) ensina que a felicidade consiste na vacuidade ou renúncia de todos os bens externos; quanto menos o homem possui ou deseja possuir, tanto mais feliz é ele, porquanto a infelicidade consiste a) ou no medo de perder o que se possui, b) ou no desejo de possuir o que não se pode possuir; quem renuncia espontaneamente à posse de bens externos e ao próprio desejo de os possuir, ensinam os discípulos de Diógenes, é perfeitamente feliz.
Entretanto, embora haja elementos de verdade nessas filosofias, tanto Epicuro como Diógenes, e todos os seus seguidores, falharam no ponto central da questão. A felicidade não consiste nem em possuir nem em não possuir bens externos, mas sim na atitude interna que o homem crea e mantém em face da posse ou da falta desses bens. O que decide não é, em primeiro lugar, aquilo que o homem possui ou não possui, mas sim o modo como ele sabe possuir ou não possuir.
Quer dizer, o que é decisivo não é a maior ou menor quantidade objetiva das coisas possuídas, mas a qualidade subjetiva do possuidor. Esta qualidade, porém, é conquista do próprio homem, e não algum presente de circunstâncias fortuitas. A felicidade do homem só pode depender de algo que dependa dele.
É possível que a posse, ou mesmo o desejo da posse, de uns poucos cruzeiros escravize o homem - e é possível que a posse real de milhões e bilhões de cruzeiros não escravize o seu possuidor. A questão central não é de ser possuidor ou não possuidor - mas, sim, de ser possuído ou não possuído de bens externos. Não há mal em possuir - todo mal está em ser possuído. Ser livre é ser feliz - ser escravo é ser infeliz.
A verdadeira felicidade, portanto, não pode consistir em algo que nos aconteça, mas em algo que seja creado por nós. As quantidades externas nos 'acontecem' - a qualidade interna é creada por nós.
Tudo depende, pois, em última análise, da nossa atitude interna, do modo como possuímos ou não possuímos; ou, no dizer do Nazareno, depende da 'pobreza pelo espírito' e da 'pureza de coração', quer dizer, na liberdade e no desapego interior do homem.
Pode o possuidor ser livre daquilo que possui - e pode o não possuidor ser escravo daquilo que não possui."
(Huberto Rohden - O Caminho da Felicidade - Alvorada Editora e Livraria Ltda., São Paulo, 7ª edição - p. 11/13)