"O bhakta, que ama e se devota intensa e permanentemente a Deus, contemplando num altar uma de suas Formas, aquela de sua preferência (ídolo), cantando e louvando seu Nome, tem sido objeto de desgastadas críticas pelos que, mal-informados, condenam a prática de idolatria. Tais contestadores, quando religiosos profissionais, chegam a citar versículos bíblicos que proíbem a adoração a ídolos. As imagens simbólicas ou formas representativas foram de fato abominadas e denunciadas por primitivo profetas hebreus e por fundadores do cristianismo.
Está na hora de repensarmos o assunto. Tradicionais, respeitáveis e sábias religiões adotam imagens, inclusive o catolicismo. Consideremos a etimologia. A palavra idolatria é grega: eidolon, imagem; latreia, serviço. Prestar serviço ao Supremo Ser abstrato, representado pela imagem concreta que veneramos, parece nada reprovável. Há no entanto outra "normal" forma de idolatria generalizada, que infelizmente a sociedade aprova e obsessivamente pratica, a qual adiante analisaremos.
A boa idolatria é um recurso inteligente pelo qual, favorecidos por uma Forma (estátua ou retrato), conseguimos concentrar e fixar nossa mente desatenta, abrindo-nos, portanto, para a felicidade de amar e servir o Ser Supremo sem forma, sem atributos, um Deus abstrato, tão fora de alcance. Tal idolatria não é abominável.
Os ídolos, cuja adoração efetivamente nos perturba a paz, despoja de luz, rouba a liberdade, abala a saúde e nos condena à infelicidade, são outros que não as belas e inspiradoras esculturas e retratos do Divino, eternizados nos santuários. Refiro-me aos ídolos mais cultuados e que ocupam durante quase todo tempo o maior espaço do coração e da mente do homem egoísta e "normótico" dos dias atuais. Homens ambiciosos de poder adoram múltiplos ídolos, tais como cheques, lucros, propriedades, votos de eleitores, aplausos de plateias processos facilitadores de corrupção, especulação, sonegação de impostos etc. Tais idólatras do "bezerro de ouro", que bem justificam as condenações feitas por Moisés, são os que sacrificam tudo e todos na busca satânica e aflita de maiores lucros de mais poder, de mais prazer. As "doses" vendidas pelos traficantes, idolatradas pelos viciados, fazem jus ao anátema dos profetas. A idolatria que a Bíblia denuncia e abomina pode ser também aquela que alucina, obsedia, agita e aliena multidões de jovens devotos de certos mega stars da música dopante. Cigarros bebidas alcoólicas, sexo pervertido e promíscuo, entorpecentes e alucinógenos são ídolos diabólicos aos quais infelizes jovens se devotam até o autossacrifício. Esta idolatria anda aí, aceita e até prestigiada na mídia da "era das trevas" (kali yuga).
Ídolos abjetos são todas as coisas, pessoas, falsos valores, situações e ideologias que geram dependência, inspiram hipocrisia, exemplificam irretidão, implementam o desamor, engendram conflagração e crueldade, que abastardam e derrubam a dignidade e ameaçam a liberdade dos seres humanos, finalmente, que destronam o Senhor Supremo do coração de cada um. (...)
A idolatria a Mamom, isto é, ao antideus, como vimos, é que deve ser abominada. Não a devoção santificante. O devoto lúcido não adora a imagem diante de si, mas ao Ser Supremo que ela ajuda a conceber e sentir. O Swami Vivekananda lembra que, quando estamos ao telefone, não falamos com o aparelho, mas com alguém, que só podemos alcançar por meio dele. Precisa dizer mais? (...)"
(José Hermógenes - Iniciação ao Yoga - Ed. Nova Era, Rio de Janeiro - p. 84/86)