"Queima os teus navios, meu amigo!" - assim te escrevi...
E tu me perguntas o que quer isso dizer...
Coisa muito grave, gravíssima - quer isso dizer, meu amigo...
Quando Fernando Cortez, há mais de quatro séculos, aportou no país dos astecas, disse ele aos soldados:
"Reembarque para Cuba todo homem medroso!..."
Silêncio profundo acolheu esta ordem - e o pugilo de temerários heróis foi à conquista do México...
Para cortar cerce toda esperança de regresso inglório, lançou Cortez fogo aos navios - reduzindo-os à cinzas...
* * *
E tu, meu amigo - já queimaste teus navios?...
Cortaste rente toda a ideia de voltar atrás - às "panelas do Egito"?...
Das árduas alturas do espírito - para a suave planície da matéria?...
Olha em derredor, quase todos preferem a farta escravidão - à austera liberdade...
E muitos dos que vão à conquista do paraíso de Deus - deixam intatos seus barcos...
Sempre dispostos a refugiar-se neles - no comodismo da vida, nas queridas vaidades de ontem...
Aqui, o deserto de Deus - lá embaixo, festins do Egito...
Aqui em cima, remar contra a corrente - lá embaixo, deixar-se ir ao sabor das trépidas vagas...
Somos como nadadores principiantes que se lançam às águas mas não largam os arbustos da praia.
Quanto mais nos convida a jubilosa liberdade das ondas bravias de Deus - tanto mais nos aferramos às coisas queridas da terra...
Somos de Deus, certamente - mas somos também do mundo...
Não ousamos sem reserva lançar-nos a seus mares ignotos - e perder de vista os verdes litorais da nossa vida...
Empunhamos o arado de Deus - mas sempre a olhar para trás...
Queremos, sim, anunciar o reino de Deus - mas primeiro matar saudades em casa e enterrar nossos defuntos...
Ai! como é difícil ser integralmente o que se é!...
Bandeirante de vastos horizontes...
Pioneiro de mundos ignotos...
Herói sem reserva!...
Forramos de anêmicos quisera, quisera nossa vida - e não ousamos bradar um intrépido eu quero!...
Tu, meu amigo, que és jovem e espírito ideal - reduze a cinzas as naus em que vieste!...
Morrer para o teu panteão de ídolos...
Morrer por um grande ideal...
É viver eternamente..."
(Huberto Rohden - De Alma para Alma - Ed. Martin Claret, São Paulo - p. 169/170)