“(...) devemos afirmar, com base em nossa experiência universal, que estamos sempre conscientes de nós mesmos como o poder ativo que desempenha todos os nossos atos mentais e corporais. Com efeito, estamos desempenhando muitas funções diferentes: perceber, pensar, recordar, sentir, agir, etc. Contudo, sob essas funções podemos perceber que existe um “ego” ou “eu” que as governa e que se julga substancialmente o mesmo ao longo de toda a sua existência passada e presente.
Diz a Bíblia: “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1 Coríntios 3:16). Todos nós, como indivíduos somos muitos Entes espirituais, reflexos do bem-aventurado Espírito Universal: Deus. Assim como aparecem muitas imagens do único sol quando este se reflete em diversas vasilhas cheias d’água, também a humanidade está dividida em muitas almas, que ocupam esses veículos corporais e mentais, estando portanto externamente separados do único Espírito universal. Na realidade, Deus e o homem são um, e a separação é apenas aparente.
Então, se somos bem-aventurados Entes espirituais refletidos, por que é que somos totalmente inconscientes de nosso estado de bem-aventurança, estando sujeitos à dor e ao sofrimento físico e mental? A resposta é que o Eu espiritual foi trazido ao presente estado (não importa por qual processo) quando se identificou com um veículo corporal transitório e uma mente inquieta. Assim identificado, o Eu espiritual sente-se triste ou feliz quando o corpo e a mente experimentam, respectivamente, um estado doentio e desagradável ou um estado saudável e agradável. Por causa dessa identificação, o Eu espiritual está sendo o tempo todo perturbado pelos estados transitório do corpo e da mente.
Tomemos como exemplo um fenômeno de identificação imaginária: a mãe que se identifica profundamente com seu filho único sofre e sente dor intensa ao saber da morte dele – seja uma morte real, seja um simples boato -, embora ela possa não sentir tal aflição se vier a saber da morte do filho de uma vizinha com o qual não se identifica. Agora podemos ter uma idéia da consciência quando a identificação é real e não apenas imaginária. Portanto, o sentimento de identificação com o corpo transitório e com a mente inquieta é a fonte ou a causa fundamental da infelicidade de nosso Eu espiritual.
“Em virtude dessa identificação (identificação do Eu espiritual com o corpo e a mente ser a causa primordial da dor), o Eu espiritual parece ter certas tendências mentais e físicas. O desejo de satisfazer essas tendências cria uma carência, e carência produz dor. Pois bem, essas tendências ou inclinações são naturais ou artificiais: tendências naturais que produzem necessidades naturais, e tendências artificiais que produzem necessidades artificiais.
Com o tempo, devido ao hábito, uma carência artificial torna-se uma necessidade natural. A carência, seja de que espécie for, produz dor. Quanto mais carência temos, maiores as possibilidades de sofrer; porque, quanto mais carência temos, mais difícil é satisfazê-las, e quanto mais elas permanecem insatisfeitas, maior é a dor. Aumentemos nossos desejos e carências, e a dor também aumentará. Portanto, se um desejo não encontra uma perspectiva de satisfação imediata, ou se encontra um obstáculo, a dor surge imediatamente.
E o que é o desejo? Nada mais que uma nova condição de “excitação” assumida pela mente – um capricho mental criado por causa das companhias. Assim, o desejo, ou o aumento das condições de excitação da mente, é a origem da dor ou da infelicidade e, também, do equívoco de procurar satisfazer as carências – primeiro, criando-as e aumentando-as e, depois, tentando satisfazê-las com objetos, em vez de diminuí-las desde o início.
Pode parecer que a dor seja algo produzido sem a presença de um desejo prévio, como, por exemplo, a dor de um ferimento. Devemos, porém, observar aqui que o desejo de permanecer saudável – o qual está, consciente ou subconscientemente, presente em nossa mente e cristalizado em nosso organismo fisiológico – foi contrariado, no caso acima, pela presença de um estado patológico, ou seja, a presença do ferimento. Desse modo, quando determinada condição mental de excitação, na forma de um desejo não é satisfeita ou removida, o resultado é a dor.
Assim como o desejo leva à dor, também leva ao prazer, sendo a única diferença a de que, no primeiro caso, a carência envolvida no desejo não é satisfeita, ao passo que, no segundo, a carência envolvida no desejo parece ser satisfeita pela presença de objetos externos. Mas essa experiência de prazer – resultante da satisfação da carência por meio de objetos – não dura, se desvanece, e retemos apenas a lembrança dos objetos que pareciam te removido essa carência. Eis porque, no futuro, o desejo desses objetos, introduzidos pela memória, ressuscita e desperta uma sensação de carência, a qual, se não satisfeita, novamente leva à dor.”
(Paramahansa Yogananda, A Ciência da Religião, Ed. Self-Realization Fellowship - p. 23/27)