"Qual é o remédio para esta miséria e para este consumo de esforços? Existe algum? Com certeza a vida possui uma lógica em si mesma e uma lei que faz a existência possível. De outro modo o caos e a loucura constituiriam o único estado a que se poderia chegar.
Quando um homem pela primeira vez bebe sua taça de prazer, sua alma fica cheia de indescritível gozo, que causa uma sensação primeira e nova. A gota de veneno que verte na segunda taça, se persiste naquela loucura, é dobrada e triplicada, até que, por fim, a taça inteira é veneno, o qual é o ignorante desejo de repetição e intensificação. Isto evidentemente significa morte, segundo da analogia se deduz. O menino se converte em homem; não pode reter sua infância e repetir e aumentar os prazeres da mesma, a menos de pagar o preço inevitável e de se converter num idiota. A planta crava suas raízes na terra e lança no ar suas verdes folhas; floresce depois e frutifica. A planta que unicamente lança raízes e folhas, detendo-se com persistência no seu desenvolvimento, é considerada pelo jardineiro como uma coisa inútil, e deve ser arrancada.
O homem que escolhe o caminho do esforço e recusa ceder ao sonho da indolência, permitindo que esta endureça sua alma, encontra nos seus prazeres um novo e mais delicado gozo, cada vez que os experimenta; uma certa coisa sutil e indefinível que se levanta cada vez mais daquele estado em que a mera sensualidade domina; esta ciência sutil, é aquele elixir da vida que faz o homem imortal. Aquele que o experimenta e não quer beber a menos de que a taça o contenha, encontra a vida mais ampla e o mundo cresce ante os seus olhos ardentes. Reconhece a alma na mulher à qual ama e a paixão se converte em paz; ele vê no interior do seu pensamento as mais delicadas qualidades da verdade espiritual, a qual está fora da ação do nosso mecanismo mental e então, em vez de entrar no redemoinho confuso dos intelectualismos, permanece sobre o dorso vasto da águia da intuição e se deixa ficar no ar sutil, onde os grandes poetas sua intuição encontram. Ele vê no seu próprio poder de sensação, de prazer no ar fresco e na luz do sol, na comida e no vinho, no movimento e no repouso, as possibilidades do homem etéreo, daquilo que não morre nem com o corpo nem com o cérebro. Nos prazeres que a arte proporciona, na música, na luz, na beleza; nestas formas, vê ele a glória das Portas de Ouro e passa através das mesmas para encontrar a vida nova, que atrás delas existe e que embriaga e fortalece, do mesmo modo que o ar puro da montanha fortalece e embriaga, graças ao seu vigor. Mas se foi vertendo, gota a gota e cada vez mais, e elixir da vida em sua taça, é já suficientemente forte para respirar este ar intenso, para viver nele. Então, seja que morra, seja que viva na forma física, do mesmo modo avança e com novos e delicados gozos se encontra, experiências mais satisfatórias e perfeitas se lhe apresentam a cada golfada deste ar puríssimo que aspira."
(Mabel Collins - Pelas Portas de Ouro - Ed. Pensamento, São Paulo - p. 28/29)