OBJETIVOS DO BLOGUE

Olá, bem-vindo ao blog "Chaves para a Sabedoria". A página objetiva compartilhar mensagens que venham a auxiliar o ser humano na sua caminhada espiritual. Os escritos contém informações que visam fornecer elementos para expandir o conhecimento individual, mostrando a visão de mestres e sábios, cada um com a sua verdade e experiência. Salientando que a busca pela verdade é feita mediante experiências próprias, servindo as publicações para reflexões e como norte e inspiração na busca da Bem-aventurança. O blog será atualizado com postagens de textos extraídos de obras sobre o tema proposto. Não defendemos nenhuma religião em especial, mas, sim, a religiosidade e a evolução do homem pela espiritualidade. A página é de todos, naveguem a vontade. Paz, luz, amor e sabedoria.

Osmar Lima de Amorim


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quinta-feira, 3 de junho de 2021

A BUSCA DA VERDADE - excertos 8 e 9

"8.  Sadaprarudita, que buscava seriamente o verdadeiro caminho da Iluminação com o risco da própria vida, havia abandonado toda a tentativa ao lucro ou honra. Certo dia, uma voz vinda do céu lhe disse: 'Sadaprarudita! Vá direto ao leste. Não se preocupe com o calor ou com o frio, não dê atenção ao louvor ou desprezo mundanos, não se preocupe com as discriminações entre o bem e o mal, apenas se preocupe em ir para o leste. Neste longínquo leste, encontrará um verdadeiro mestre e alcançará a Iluminação.

Sadaprarudita, contente por ter tido esta precisa instrução, imediatamente, encetou viagem rumo ao leste. Quanto a noite chegava, dormia onde se encontrasse, em um ermo campo ou nas agrestes montanhas. Sendo forasteiro em terras estranhas, sofria as mais diversas humilhações; vendeu-se como escravo, desgastou, por causa da fome, a sua própria carne, mas, finalmente, encontrou o verdadeiro mestre e lhe pediu instruções.

'Boas coisas custam muito caro', eis um ditado que se assenta bem no caso de Sadaprarudita, pois ele teve muitas dificuldades em sua viagem à procura do caminho da Iluminação. Sem dinheiro para comprar flores e incenso para oferecer ao mestre, tentou vender seus serviços, mas não encontrou ninguém que o empregasse. O infortúnio parecia rondá-lo em toda a parte que fosse. O caminho do Iluminação é muito árduo e pode custar a vida a um homem.

Finalmente, Sadaprarudita conseguiu chegar à presença do procurado mestre, mas aí teve nova dificuldade. Não possuía papel nem pincel ou tinta para escrever. Então, feria o punho e com o próprio sangue tomava notas do ensinamento dado por este mestre, Desta maneira, conseguiu a preciosa Verdade.

9.  Havia, certa feita, um menino de nome Sudhana, que também desejou a iluminação e procurou seriamente o seu caminho. De um pescador aprendeu as tradições do mar. De um médico aprendeu a ter compaixão dos doentes em seus sofrimentos. De um homem rico aprendeu que a poupança é o segredo de toda a fortuna; e com isso concluiu que é necessário conservar tudo aquilo que se obtém no caminho da Iluminação, por mais insignificante que seja.

De um monge que medita aprendeu que a mente pura e tranquila tem o miraculoso poder de purificar e tranquilizar outras mentes. Certa vez, encontrou uma mulher de extraordinária personalidade e ficou impressionado com sua benevolência, dela aprendeu que a caridade é o fruto da sabedoria. Certa ocasião, encontrou um velho viandante que lhe contou que, para chegar a um certo lugar, teve de escalar uma montanha de espadas e atravessar um vale de fogo. Assim, com suas expêriencias, Sudhana aprendeu que sempre há um verdadeiro ensinamento a ser colhido e assimilado em tudo aquilo que se ver ou ouvir.

Ele aprendeu paciência de uma pobre mulher, fisicamente imperfeita; aprendeu a pura felicidade, observando as crianças brincarem na rua; e de um gentil e humilde homem, que nunca desejou aquilo que os outros desejavam, aprendeu o segredo de viver em paz com todo o mundo.

Ele aprendeu uma lição de harmonia, observando a composição dos elementos do incenso, e uma lição de gratidão estudando arranjo de flores. Certo dia, passando por uma floresta, parou à sombra de uma árvore, para repousar. Enquanto descansava, viu, perto de uma velha árvore caída, uma minúscula plantinha; deste fato aprendeu uma lição da incerteza da vida.

A luz solar do dia e as cintilantes estrelas da noite constantemente refrescavam sua mente. Assim, Sudhana aproveitou bem as experiências de sua longa jornada.

Aqueles que buscam a Iluminação devem fazer de suas mentes uns castelos e decorá-los. Devem abrir, de par em par, os portões do castelo de suas mentes, para, respeitosa e humildemente, convidar Buda a entrar em sua recôndita fortaleza, aí lhe oferecendo o fragrante incenso da fé e as flores da gratidão e alegria."

(A Doutrina de Buda, Bukkyo Dendo Kyobai, Terceira edição revista, 1982, p. 317/323)


 

terça-feira, 1 de junho de 2021

A BUSCA DA VERDADE - excerto 7

"7.  Havia, certa vez, um homem que procurava, no Himalaia, o Verdadeiro Caminho. Não se interessava pelos tesouros da terra nem pelas delícias do céu, apenas buscava o ensinamento que pudesse afastar todas as delusões mentais.

Os deuses, impressionados com sua seriedade e sinceridade, decidiram pôr sua mente à prova. Assim, um dos deuses se disfarçou em demônio e apareceu no Himalaia, cantando: 'Tudo muda, tudo aparece e desaparece'.

O homem ouviu com satisfação esta canção. Sentia-se tão satisfeito, como se tivesse encontrado uma fonte de água fresca para mitigar-lhe a sede, ou como um escravo inesperadamente liberto. Dizia consigo mesmo: 'Finalmente, encontrei o verdadeiro ensinamento que, por muito tempo, procurava.' Seguindo a voz, chegou junto a um horrendo demônio. Com a mente apreensiva, aproximou-se do demônio e lhe disse: 'Foi você que cantou a sagrada canção que há pouco ouvi? Se foi você, por favor, cante-a mais um pouco.' O demônio lhe respondeu: 'Sim, fui eu, mas não posso mais cantá-la até que tenha algo para comer, estou faminto.'

O homem lhe suplicou sinceramente que a cantasse mais, dizendo: 'Ela tem um significado sagrado para mim e eu o procurei durante muito tempo. Apenas ouvi uma pequena parte, por favor, deixe-me ouvir mais.' O demônio disse novamente: 'Estou muito faminto, se pudesse provar carne fresca e sangue de um homem, eu terminaria a canção.' O homem, em sua ânsia de ouvir o ensinamento, prometeu-lhe dar o seu corpo após ter ouvido o ensinamento. O demônio, então, cantou a canção completa.

Tudo muda,
Tudo aparece e desaparece,
Somente haverá perfeita tranquilidade,
Quando se transcender a vida e a morte.

Ouvindo isso, o homem, depois de escrever o poema nas rochas e árvores ao seu redor, subiu calmamente em uma árvore e se atirou aos pés do demônio, mas o demônio havia desaparecido e, em seu lugar, um radiante deus amparou incólume o corpo do homem."

(A Doutrina de Buda, Bukkyo Dendo Kyobai, Terceira edição revista, 1982, p. 303/317)  


quinta-feira, 27 de maio de 2021

A BUSCA DA VERDADE - exertos 5 e 6

"5.  Aqueles que, verdadeiramente, buscam o caminho da Iluminação devem controlar a mente e prosseguir com firme determinação. Mesmo se forem abusados por uns e desprezados por outros, devem seguir em frente, com a mente imperturbável. Devem ser pacientes e não ficar irritados se forem atacados com punhos, pedras ou espadas.

Mesmo que seus inimigos lhes cortem as cabeças, suas mentes devem permanecer inabaláveis. Se deixarem que suas mentes se anuviem com as coisas que sofrerem, eles não estarão seguindo o ensinamento de Buda. Devem determinar-se, não importando o que lhes possa acontecer, a permanecer firmes, imutáveis, irradiando sempre pensamentos de compaixão e boa vontade. Diante do abuso e diante do infortúnio, deve-se permanecer inabalável, com a mente tranquila, irradiando o ensinamento de Buda.

Para a colimação da Iluminação, tentarei realizar o impossível, suportarei o insuportável. Darei tudo que tenho para isso. Se, para alcançar a Iluminação, tiver que restringir meu alimento a um único grão de arroz por dia, comerei apenas isso. Se o caminho da Iluminação me conduzir através do fogo, não vacilarei, irei em frente.

Entretanto, não se deve fazer estas coisas, visando outros propósitos. Deve-se fazê-las apenas porque são sensatas e corretas. Deve-se fazê-las sem a mente da autocompaixão, como uma mãe que tudo faz a um filho doente, não medindo esforços nem visando o próprio conforto.

6.  Havia, certa vez, um rei que amava seu povo e país, governando-os com sabedoria e bondade, mantendo, desta forma, o país próspero e tranquilo. Dedicava-se sempre à procura de maior sabedoria e esclarecimento, oferecendo recompensas a todo aquele que lhe pudesse trazer bons ensinamentos.

Sua devoção e sabedoria, um dia, chegaram ao conhecimento dos deuses, que resolveram pô-lo à prova. Um deus, disfarçando-se em demônio, apareceu diante dos portões do palácio real e solicitou fosse levado à presença do rei, pois tinha um sagrado ensinamento a lhe dar.

O rei que estava contente em ouvir esta mensagem, recebeu cortesmente o demônio e lhe pediu instruções. O demônio, assumindo uma forma aterrorizadora, pediu-lhe alimento, dizendo que não podia ensiná-lo antes de ter o alimento preferido. Seletos alimentos lhe foram oferecidos, mas o demônio insistia em ter uma fresca e sanguinolenta carne humana. O príncipe herdeiro e a rainha lhe deram seus corpos, mas, ainda assim, não se tinha saciado e pediu o corpo do rei.

O rei anuiu em lhe dar seu corpo, mas quis primeiro ouvir o ensinamento antes de lho oferecer. O deus então pronunciou este ensinamento: 'A lamentação e o temor surgem da luxúria. Aqueles que se afastam da concupiscência não têm lamentação nem temor.' De repente, o deus reassumiu a sua verdadeira forma e o príncipe e a rainha reapareceram com seus corpos originais."

(A Doutrina de Buda, Bukkyo Dendo Kyobai, Terceira edição revista, 1982, p. 309/313)


terça-feira, 25 de maio de 2021

A BUSCA DA VERDADE - excertos 3 e 4

"3.  O mundo não tem substância própria. É apenas a vasta concordância das causas e condições que tiveram sua origem, única e exclusivamente, nas atividades da mente, estimulada pela ignorância, falsas imaginações, desejos e estultícia. Não é algo externo sobre o qual a mente tenha falsos conceitos: não tem nenhuma substância. Apareceu com os processos da própria mente, manifestando suas próprias delusões. É baseado e construído pelos desejos da mente, sem seus sofrimentos e lutas incidentais à dor causada por suas próprias cobiça, ira e estultícia. Os homens que buscam o caminho da Iluminação devem estar prontos para combater esta mente, para poderem atingir seu objetivo.

4.  Ó mente! Por que pairas incansavelmente assim sobre as cambiantes circunstâncias da vida? Por que me deixas tão confuso e inquieto? Por que me incitas a coligir tantas coisas? És como o arado que se quebra em pedaços antes de começar a arar; és como o leme que se desmantela, no momento em que te aventuravas neste mar da vida e da morte. Para que servem os muitos renascimentos se não fazemos bom uso desta vida?

Ó mente minha! Uma vez me levaste a nascer como rei, e outra, me levaste a nascer como um pária e a mendigar meu alimento. Às vezes me faz nascer em divinas mansões dos deuses e a morar na luxúria e êxtase, depois me atiras nas chamas do inferno. 

Ó minha tola, tola mente! Assim me conduziste por longos e diversos caminhos e sempre te fui obediente e dócil. Mas agora que ouvi os ensinamentos de Buda, não mais me perturbarás ou me causarás sofrimentos. Busquemos juntos a Iluminação, humilde e pacientemente.

Ó mente minha! Se pudesses aprender que tudo é não substancial e transitório; se pudesses aprender a não te apegares às coisas, por elas não ansiares, a não dares vazão à cobiça, ira e tolice, então, poderemos caminhar em paz. Se rompermos os grilhões dos desejos com a espada da sabedoria, se não nos abalarmos com as mutáveis circunstâncias da vida, com a vantagem ou desvantagem, com o bem ou mal, com a perda ou lucro, com o louvor ou o abuso, então, poderemos viver em paz.

Ó mente querida! Foste tu que primeiro despertaste em nós a fé; foste tu que sugeriste a nossa procura da Iluminação. Por que, facilmente, dás lugar à cobiça, ao amor pelo conforto e ao prazer novamente?

Ó minha mente! Por que saltitas para cá e para lá, sem um definido propósito? Cruzemos este bravio mar da delusão. Até aqui agi como desejaste, mas agora deves agir como eu quiser e, juntos, seguiremos o ensinamento de Buda.

Ó mente querida! Estas montanhas, estes rios e mares são inconstantes e fontes do sofrimento. Onde, neste mundo de delusão, poderemos encontrar paz? Sigamos o ensinamento de Buda e atinjamos a outra praia da Iluminação."

(A Doutrina de Buda, Bukkyo Dendo Kyobai, Terceira edição revista, 1982, p. 305/309)


quinta-feira, 20 de maio de 2021

A BUSCA DA VERDADE - excerto 2

"2.  Suponhamos um homem que vai à floresta buscar alguma medula, que cresce no centro das árvores, e volta com um fardo de galhos e folhas, pensando que conseguira aquilo que fora buscar. Não seria ele tolo, se está satisfeito com a casca, endoderma ou madeira, ao invés da medula que fora procurar? Mas é o que muitos homens estão fazendo.

Uma pessoa procura um caminho que a afasta do nascimento, da velhice, da doença e da morte, ou da lamentação, da tristeza, do sofrimento e da dor; entretanto, se, seguindo um pouco esse caminho, nota algum progresso, torna-se orgulhosa, vaidosa e arrogante. É como o homem que procurava medula e saiu satisfeito com uma braçada de galhos e folhas.  

Outro homem que se satisfaz com o progresso alcançado com pouco esforço, negligencia seu empenho e se torna vaidoso e orgulhoso; está carregando apenas um fardo de galhos ao invés da medula que estava procurando.

Outro ainda, achando que sua mente se tornou mais tranquila e que seus pensamentos se tornaram mais claros, também relaxa o seu esforço e se torna orgulhoso e vaidoso; tem um fardo de cascas ao invés da medula que procurava. 

Outro homem se torna orgulhoso e vaidoso porque notou que obteve um pouco de compreensão intuitiva; ele tem uma carga de fibra lenhosa ao invés da medula. Todos estes homens que se satisfazem com seu insuficiente esforço e se tornam orgulhosos e altivos, negligenciam o seu empenho e facilmente caem na indolência. Todos eles, inevitavelmente, terão que arrostar novamente o sofrimento.

Aqueles que buscam o verdadeiro caminho da Iluminação não devem esperar uma tarefa cômoda e fácil ou um prazer proporcionado pelo respeito, honra e devoção. E mais, não devem almejar, com pouco esforço, ao supérfluo progresso em tranquilidade, conhecimento ou introspecção. 

Antes de tudo, deve-se ter, de modo claro, na mente, a básica e essencial natureza deste mundo de vida e de morte."

(A Doutrina de Buda, Bukkyo Dendo Kyobai, Terceira edição revista, 1982, p. 301/303


terça-feira, 18 de maio de 2021

A BUSCA DA VERDADE - excerto 1.

"1.  Na busca da verdade, há questões de somenos importância, que podem ser relegadas a um segundo plano. Questões tais que: De que material se compõe o universo? O universo é eterno? Existem limites para o universo? De que maneira se agrega a sociedade humana? Qual a organização ideal da sociedade humana? Se um homem postergar sua busca e prática da Iluminação até que tais questões sejam solucionadas, ele morrerá antes de encontrar o Caminho. 

Suponhamos um homem trespassado por uma flecha envenenada e que seus parentes e amigos tenham resolvido chamar um cirurgião para retirar a seta e pensar a ferida.

Mas o ferido objetou, dizendo: 'Esperem um pouco. Antes que retirem a flecha, quero saber quem a atirou. Foi homem ou mulher? Foi algum nobre ou camponês? De que era feito o arco? O arco que atirou a flecha era grande ou pequeno? Era ele feito de madeira ou bambu? De que era feita a corda do arco? Era ela feito de fibra ou tripa? Antes que extraiam a seta, quero saber tudo a respeito dessas coisas.' Assim, que lhe poderá acontecer?

Antes que todas estas informações possam ser obtidas, seguramente, o veneno terá tempo de circular em todo o sistema e o homem poderá morrer. A primeira providência a ser tomada é retirar a flecha, para que seu veneno não se espalhe.

Quando o fogo da paixão está assolando e ameaçando o mundo, questões como qual a composição do universo ou qual a organização ideal da comunidade humana não têm nenhuma importância.

A resposta à indagação se o universo tem limite ou se é eterno pode ser relegada, até que um meio de extinguir os fogos do nascimento, velhice, doença e morte seja encontrado. Diante da lamentação, da tristeza, do sofrimento e da dor, deve-se primeiro procurar um meio para solucionar estes problemas e dedidar-se à prática desse meio.

O ensinamento de Buda esclarece aquilo que é importante saber e aquilo que não o é. Isto é, o Dharma de Buda orienta os homens a aprender aquilo que deveriam aprender, a remover aquilo que deveriam remover, e dedicar-se em esclarecer aquilo que deve ser esclarecido.

Portanto, os homens deveriam primeiro discernir que questão é de primordial importância, que problema deve ser solucionado primeiro, que questão lhes é mais urgente. Para fazer tudo isso, devem primeiro treinar suas mentes, isto é, devem procurar o controle mental."

(A Doutrina de Buda, Bukkyo Dendo Kyobai, Terceira edição revista, 1982, p. 297/301)


quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A PAZ DINÂMICA (PARTE FINAL)

"(...) Podemos perceber o poder do pensamento e a necessidade de paz interior. Mas como essa paz pode acontecer em nós? Pode ser após muita busca espiritual, mas pode também ser num segundo. O primeiro passo é perceber objetivamente nossos conflitos; então, eles podem desaparecer. Krishnamurti disse: 'Onde há divisão deve haver conflito. É a lei!' Divisão aqui significa divisão psicológica: separar-se como indivíduo ou grupo de outros indivíduos e grupos. Para não haver conflito não deve haver divisão isolando nossos corações. 

Isso não exclui a diversidade. Somos todos diferentes física e psiquicamente, mas espiritualmente estamos unidos. Não podemos nos separar de ninguém internamente. 'Não imagine que você pode se separar do homem mau ou do tolo. Eles são você mesmo.'

O que acontece nas relações quando há conflito? Se nosso relacionamento com os outros for superficial, se depender de conforto físico, prazer emocional e concordância mental, se estiver centrado em nós e na convicção de que somos diferentes dos outros - talvez melhores ou mais interessantes -, o conflito é possível a qualquer momento. Mas se o relacionamento ocorre num nível profundo, onde 'o espírito salta para o espírito através do véu da carne', então ficamos mais próximos das pessoas, vemos suas fraquezas como se fossem nossas e sentimos compaixão e compreensão, mesmo que nem sempre concordemos com elas.

A verdadeira paz interior surge quando cessa o conflito interno. Mas essa não é uma paz passiva; é também força, tanto quanto amor e alegria. Tudo isso se irradia da nossa mente, dos sentimento e até do corpo, tornando possível a cooperação e o trabalho construtivo e criativo com os outros.

Essa paz que transmite compreensão pode iluminar nossas vidas e, uma vez que todos compartilhamos da mesma vida e somos a mesma vida, pode espalhar-se e plantar as sementes da paz externa - a ausência de guerra e de violência. 

A Primeira Nobre Verdade proclamada por Buda fala da dor e do sofrimento. Não será a violência a própria dor? Não acarretará ela sofrimento? A Segunda Nobre Verdade fala da causa da dor. Não estará a causa da violência em nosso coração? O mesmo se dá com o fim da dor - a Terceira Nobre Verdade -, que está na transformação em nossos corações, em nossa vida diária. Então o Nobre Caminho Óctuplo - a Quarta Nobre Verdade - se abrirá diante de nós, pois teremos dado o primeiro passo, a correta percepção das coisas, inclusive a causa interna da miséria humana e o conhecimento de que a paz começa na nossa mente, mais próxima da mente dos outros do que imaginamos.

Como podemos compreender isso? Como podemos nos aproximar dos outros - quer sejam humanos, animais, a natureza ou o Divino? Virando as costas à autopreocupação, ao autointeresse, à autoimportância. Então, em nossos corações haverá espaço para os outros. Isso produzirá a verdadeira paz em nós e no mundo."

(Mary Anderson - A paz dinâmica - Revista Sophia, Ano 9, nº 33 - p. 15)


quinta-feira, 19 de abril de 2018

RECUANDO PARA O INTERIOR, AVANÇANDO PARA O EXTERIOR

"Buscar é prosseguir em duas direções opostas. Primeiramente devemos 'buscar o caminho recuando para o interior'. 'Inquirir do mais recôndito' envolve esse recuo para o interior a que chamamos de meditação. Mas obviamente que a meditação não é suficiente se verdadeiramente queremos buscar o caminho, isto é, viver a vida. Devemos também 'buscar o caminho avançando resolutamente para o exterior'. Dito de maneira muito simples, tanto a meditação quanto a ação são necessárias. Como já foi dito, temos de externar na vida diária o que aprendemos ou descobrimos internamente.

Talvez possamos dizer que a meditação deva tornar-se ação (o que inclui pensamento e sentimento), que devem ter raízes no silêncio ou na mente tranquila. 

Existem muitas pessoas que gostariam de recuar para o interior, viver separadas do mundo, ganhar sabedoria e conhecimento para si mesmas, e atingir a meta em esplêndido isolamento sem preocupação para com o bem-estar dos outros ou para com o trabalho do mundo. Muitas vezes sentimo-nos bastante satisfeitos com nosso próprio progresso quando podemos passar muito tempo meditando, lendo ou estudando, afastados do bulício das preocupações do mundo. Numa tal condição frequentemente parecemos alcançar um tipo de conhecimento que somente nos ilude quando estamos preocupados com o trabalho do dia a dia. Mas não podemos, na verdade não devemos, permanecer isolados no estado meditativo, satisfeitos em deixar os outros desempenharem as funções mundanas tão necessárias para o sustento quanto para o crescimento da vida à nossa volta.

Assim, devemos 'avançar resolutamente para o exterior', testar nosso conhecimento interno, nossas percepções e compreensões internas, o fruto de nossa quieta reflexão na fornalha da vida diária e no mercado da cidade. Agora se exige uma certa coragem, um certo destemor, uma bravura da alma. Devemos estar desejosos de exibir nosso conhecimento, não apenas de 'falar por falar', mas 'caminhar o caminho', dar o testemunho de nosso saber agindo segundo nossa visão interior - ou, talvez devamos dizer, agindo a partir dessa visão."

(Joy Mills - Buscai o caminho - TheoSophia, Ano 100, Julho/Agosto/Setembro de 2011 - Pub. da Sociedade Teosófica do Brasil - p. 45/46)

sábado, 31 de março de 2018

NOSSA NATUREZA É ILIMITADA (PARTE FINAL)

"(...) O pensamento racional e o tempo linear são apenas equipamentos de montanhismo que nos possibilitam escalar montanhas cada vez mais altas e descobrir horizontes cada vez mais distantes. São como a jangada com a qual cruzamos rios cada vez mais largos, ou o navio no qual nos aproximamos de praias desconhecidas. Mas quando compreendemos que esses horizontes estão apenas relativamente mais distantes, voltamo-nos para outra direção. Abandonamos nosso equipamento de montanhismo, nossa canoa ou navio - o pensamento e a noção de tempo linear -, e de repente estamos mesmo que apenas por um momento, no absolutamente novo.

Os horizontes apenas aparentemente novos, que estão sempre longe, mas jamais são alcançados, encontram-se no mundo do pensamento. Algo semelhante acontece com a pessoa religiosa em busca daquilo que ela chama de Deus.

O religioso pode encontrar seu Deus num objeto, uma estátua da Virgem ou um quadro de Krishna. Por que não? Com o tempo, no entanto, isso não vai mais satisfazê-lo. Ele aprende a buscar atrás ou além da imagem. Então, imagina um Deus que não é físico, mas ainda é limitado; é o seu Deus, em oposição a outros deuses de outras crenças. 

Pode ser então que ele descubra que Deus, para ser Deus, deve ser de todos os homens, adorado em todas as religiões. Essa descoberta pode levar a dificuldades. É preciso coragem para deixar o rebanho. 

Posteriormente ocorre um insight, talvez a princípio como um conceito teórico: Deus não está fora, mas dentro de sua criação, em toda parte, na terra, no céu, na natureza, em todos os seres animais e humanos, até mesmo naqueles que são capazes de cometer crimes. Não apenas está Ele neles, mas eles são Deus. Tudo é Deus, tudo é divino. 

Talvez não gostemos da palavra Deus. Essa palavra está ligada a tantas imagens que tudo que podemos fazer é rejeitá-la. Talvez seja melhor dizer que uma vida simples e sagrada está em todas as coisas e em todos os seres - ou é todas as coisas e todos os seres."

(Mary Anderson - Para alcançar um novo dia - Revista Sophia, Ano 7, nº 26 - p. 28/29)


sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

CLAREZA DE VISÃO (PARTE FINAL)

"(...) A noção do eu pessoal se desenrolando implica o fato de que estamos normalmente num estado de autoproteção que não nos permite 'desistir do eu pelo não eu', para usar as palavras de A Voz do Silêncio. Para não ter que abrir mão do eu, o ser humano se comporta como uma cobra, que ataca quando provocada e que se sente mais confortável quando está dormitando, enroscada em si mesma. Porém, quando a serpente se desenrola e sua superfície fica plenamente exposta ao ambiente, ela também pode corporificar a sabedoria. Ken Wilber observa que, quando nos percebemos aqui e agora, basicamente sentimos 'uma diminuta tensão ou contração interior, uma sensação de agarrar, desejar, cobiçar, evitar, resistir - é uma sensação de esforço, de busca'. Em sua forma mais elevada, essa sensação assume a forma da 'grande busca pelo espírito'. O paradoxo é que o espírito não está em lugar algum. A sabedoria perene fala do 'espírito como matéria'; portanto, tudo que percebemos no mundo é uma solidificação do espírito. Não reconhecemos isso pelo que é, nem reconhecemos plenamente a nós mesmos pelo que somos - espírito ou ego.

Parece que é necessário um nível de sacrifício pessoal para que o eu se desenrole, mas não é saudável levar isso a extremos. É bom ter em mente o ensinamento budista do Caminho do Meio. Madhava Ashish sabiamente afirmou que 'somos mais completos e perfeitos quando estamos despertos tanto para a fonte não diferenciada do nosso ser quanto para sua manifestação diferenciada'.

Não devemos, por exemplo, doar tanto de nós mesmos e de nossos pertences que não possamos mais agir de maneira eficaz. Blavatsky deu uma indicação disso quando escreveu que 'o autossacrifício tem que ser feito com discriminação; tal autorrenúncia, se for feita sem justiça, ou às cegas, sem consideração para com os resultados subsequentes, pode frequentemente se tornar não apenas inútil como nociva. Uma das regras fundamentais da Teosofia é a justiça para consigo mesmo - visto como uma unidade de coletividade humana, não como uma autojustiça pessoal, nem mais e nem menos do que para com os outros.' (A Chave para a Teosofia)"

(Linda Oliveira - Os artistas do destino - Revista Sophia, Ano 13, nº 58 - p. 15/16)


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

CORAGEM: UMA QUALIDADE INATA DA ALMA

"Aquele que busca com sinceridade, na prática, ao contrário daquele que 'busca' na poltrona e desperdiça a vida ruminando teorias intelectuais, entusiasma-se ao pensar na dura tarefa que tem pela frente. O guerreiro autêntico, mesmo que sinta medo, atira-se corajosamente à batalha quando a força do braço se torna necessária. O alpinista de verdade, embora apreensivo diante da encosta íngreme que deverá escalar, prepara-se resolutamente para conquistá-la. E o homem sincero na busca da verdade diz a si mesmo: 'Sei que alcançar a perfeição é uma tarefa árdua, mas farei de tudo para alcançá-la. (...)' Meditando incansavelmente dia após dia, ele finalmente toma consciência do corpo e recupera a percepção da divina bênção interior, que há muito perdera.

Ânimo, devoto! Não importa quão árido, duro e ressequido tenha se tornado o solo de seu coração durante os anos de fome da indulgência sensual, do fracasso e do desapontamento, ele pode ser regado e fertilizado novamente pelas águas vivificantes da comunhão interior. Seu entusiasmo espiritual, há muito arrefecido, pode ganhar vida nova. Basta que você beba de novo o vinho antigo da comunhão com Deus. No campo do empreendimento espiritual fervoroso, lance novamente à terra macia das percepções renovadas da alma as sementes do sucesso espiritual e veja-as transformar-se numa seara de alegrias divinas. 

Em vez de se sentir vencido e desencorajado diante daquilo que supõe ser uma tribulação, agradeça a Deus a oportunidade de descobrir o que precisa aprender, e de juntar forças e sabedoria para enfrentar o desafio."

(Paramhansa Yogananda - A Sabedoria de Yogananda, Como Ter Coragem, Serenidade e Confiança - Ed. Pensamento, São Paulo, 2012 - p. 17/18


terça-feira, 10 de outubro de 2017

TEMPO E TRANSFORMAÇÃO (1ª PARTE)

"Desejo falar um pouco a respeito do tempo, porque acredito que a riqueza, a beleza e significação daquilo que é atemporal, daquilo que é verdadeiro, só podem ser experimentadas quando compreendemos integralmente o processo do tempo. Afinal de contas, estamos buscando, cada um à sua maneira, um sentimento de felicidade, de enriquecimento. Ora, uma vida que tem significado, que tem as riquezas da verdadeira felicidade, não está em relação com o tempo. Qual o amor, essa vida é atemporal e para compreendermos o que é atemporal, não devemos considerá-lo através do tempo, porém antes, compreender o tempo. Não devemos utilizar o tempo como meio de alcançar, compreender, apreender o atemporal. No entanto, é o que estamos fazendo, na maior parte da nossa vida: consumindo tempo, procurando aprender o que é atemporal - e por isso é importante compreender o que se entende por 'tempo', pois creio que é possível ser livre do tempo. É importantíssimo compreender o tempo como um todo e não por partes.

É interessante compreender que quase toda nossa vida se consome no tempo - tempo, não no sentido de sequência cronológica de minutos, horas, dias e anos, mas no sentido de memória psicológica. Vivemos pelo tempo, somos resultado do tempo. Nossas mentes são o produto de muitos dias passados, e o presente é apenas a passagem do passado para o futuro. Nossas mentes, nossas atividades, nosso ser, fundam-se no tempo. Sem o tempo, não podemos pensar, porque o pensamento é resultado do tempo, o produto de muitos dias passados, e não há pensamento sem memória. Memória é tempo, pois há duas espécies de tempo: o cronológico e o psicológico. Há o tempo, o ontem do relógio, e o ontem da memória. Não se pode rejeitar o tempo cronológico, pois seria absurdo: poderiamos perder o trem. Existirá realmente tempo, fora do tempo cronológico? É claro que há o tempo, o ontem, mas existe o tempo tal como a mente o concebe? Existe tempo, separado da mente? Não há dúvida que o tempo, o tempo psicológico é produto da mente. Sem a base do pensamento, não existe o tempo - sendo 'tempo' apenas a memória do dia de ontem em conjunção com o de hoje, moldando o amanhã. Quer dizer, a memória da experiência de ontem, em reação ao presente, está criando o futuro - o que constitui ainda um processo de pensamento, uma senda da mente. O processo de pensamento determina progresso psicológico no tempo, mas esse tempo será real, tão real como o tempo cronológico? Podemos utilizar esse tempo produzido pela mente, como meio de compreender o eterno, o atemporal? Como disse, a felicidade não é produto de ontem, a felicidade não é produto do tempo, a felicidade está sempre no presente, é um estado atemporal. Não sei se já notastes, que quando tendes um êxtase, uma alegria criadora - uma série de nuvens radiosas cercadas de nuvens negras - nesse momento não existe o tempo: só há o presente imediato. A mente, interferindo depois desse experimentar, do presente, lembra-se dele e deseja continuá-lo, acrescentando-se a si mesma, mais e mais, e criando assim o tempo. O tempo é criado pelo 'mais'; o tempo é aquisição e, também, renúncia, que é por sua vez uma aquisição da mente. Logo, disciplinar apenas a mente no tempo, condicionar o pensamento dentro da estrutura do tempo, que é memória, por certo não nos revela o que é atemporal. 

A transformação depende do tempo? Quase todos estamos acostumados a pensar que o tempo é necessário para a transformação: sou 'tal coisa', e para modificar o que sou e transformá-lo naquilo que deveria ser, é preciso tempo. Sou ambicioso, e dessa ambição resulta confusão, antagonismo, conflito, aflição. Para realizar a transformação, que é a não ambição, pensamos ser necessário o tempo. Isto é, consideramos o tempo como meio de evolvermos para algo superior, como meio de nos tornarmos alguma coisa. O problema é este: sou violento, ambicioso, invejoso, irascível, vicioso, ou apaixonado. Para transformar o que é, há necessidade de tempo? Em primeiro lugar, por que desejamos modificar o que é, efetuar uma transformação? Por quê? Porque o que é não nos satisfaz, o que é cria conflito, perturbações, e, como não gostamos desse estado, desejamos algo que seja melhor, mais nobre, mais idealístico. Assim, desejamos a transformação porque existe sofrimento, desconforto, conflito. O conflito pode ser dominado pelo tempo? Se dizeis que sim, continuais em conflito. Podemos dizer que bastarão vinte dias, ou vinte anos, para nos livrarmos do conflito, para modificarmos o que somos, mas durante esse tempo continuaremos em conflito, e por conseguinte, o tempo não efetua transformação alguma. Quando nos servimos do tempo como meio de adquirir uma qualidade, uma virtude, ou um 'estado de ser', estamos apenas adiando, estamos evitando o que é. Julgo importante compreender este ponto. A ambição, ou a violência, causam sofrimento e perturbações no mundo das nossas relações, que constituem a sociedade; cônscios deste estado de perturbação, que denominamos ambição ou violência, dizemos para nós mesmos: 'sairei dele com o tempo; praticarei a não violência, praticarei a não inveja; praticarei a paz'. Ora, desejais praticar a não violência, porque a violência é um estado de perturbação, de conflito, e pensais que com o tempo alcançareis a não violência e dominareis o conflito. Que está realmente acontecendo? Achando-vos em estado de conflito, desejais alcançar um estado em que não haja conflito. Ora, esse estado de não conflito é resultado do tempo, de uma duração? evidentemente não é; porque enquanto estais alcançando o estado de não violência, continuais violentos e, por conseguinte, em conflito. (...)"

(J. Krishnamurti - A Primeira e Última Liberdade - Ed. Cultrix, São Paulo - p. 111/114)
http://www.pensamento-cultrix.com.br/



segunda-feira, 2 de outubro de 2017

RELAÇÕES E ISOLAMENTO (PARTE FINAL)

"(...) O processo de isolamento está ligado à busca de poder. Quer estejamos buscando o poder individualmente, quer para um grupo racial ou nacional, haverá isolamento, porque o próprio desejo de poder, de posição, é separatismo. Afinal, é isso o que cada um deseja, não é verdade? Cada um quer ocupar uma posição poderosa, uma posição de domínio, seja no lar, seja no escritório, seja num regime burocrático. Procura cada um o poder e nessa busca de poder fundará uma sociedade baseada no poder - militar, industrial, econômico, etc. - o que também é evidente. O desejo de poder não é, por sua própria natureza, causador de isolamento? Julgo muito importante compreender isso, porque o homem que deseja um mundo pacífico, um mundo em que não haja guerras, não haja destruição e miséria, em escala aterradora, imensurável, deve compreender esta questão fundamental. Um homem afetuoso, benevolente, não tem espírito de poderio e portanto não está ligado a nacionalidade nem a bandeira alguma. Esse homem não tem bandeira. 

Não há coisa tal como viver no isolamento; nenhum país, nenhum povo, nenhum indivíduo pode viver no isolamento. Entretanto, porque estais em busca de poder, de tantas maneiras diferentes, criais o isolamento. O nacionalista é uma praga, porque, com seu espírito nacionalista, patriótico, está construindo uma muralha de isolamento. Tão identificado está com seus país, que ergue uma muralha contra outro país. Que acontece quando construís uma muralha contra alguma coisa? Essa coisa fica a chocar-se constantemente contra vossa muralha. Quando resistis a uma coisa, essa própria resistência indica que estais em conflito com ela. O nacionalismo, por consequência, que é um processo de isolamento, que é um resultado da busca de poder, não pode trazer paz ao mundo. O homem que é nacionalista e fala de fraternidade, está mentindo, está vivendo em estado de contradição. 

Pode-se viver no mundo sem o desejo de poder, de posição, de autoridade? Pode-se, é claro. Vivemos assim quando não nos identificamos com uma coisa 'maior'. Esta identificação com uma coisa 'maior' - o partido, a pátria, a raça, a religião, Deus é busca de poder. Porque vós mesmos sois vazios, embotados, sois fracos, gostais de identificar-vos com uma coisa maior. Esse desejo de identificação com uma coisa maior é desejo de poder. 

As relações são um processo de autorrevelação e se, desconhecendo a nós mesmos, desconhecendo as tendências da nossa mente e do nosso coração, procuramos apenas estabelecer uma ordem externa, um sistema, uma fórmula engenhosa, o que estabelecermos terá muito pouca significação. O importante é que compreendamos a nós mesmos em relação com outros. As relações se tornam, assim, não um processo de isolamento, mas um processo no qual descobrimos nossos próprios 'motivos', nossos próprios pensamentos, nossos próprios desígnios; e esta descoberta é o começo da libertação, o começo da transformação."

(J. Krishnamurti - A Primeira e Última Liberdade - Ed. Cultrix, São Paulo - p. 91/92)
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domingo, 27 de agosto de 2017

A GRANDEZA ESTÁ NO SERVIÇO ESPONTÂNEO

"Ó Tao!
Tu, que tudo superas!
Em ti está o Todo.
Em ti, a vida de todos os seres!
Tu não te negas a ninguém,
Tu, que tudo realizas,
Tudo nutres,
Tudo fazes prosperar!
Tu, o eterno servidor da vida,
Jamais te vanglorias de nada.
Pequenino pareces aos que ignoram
A tua grandeza.
Grande, porém, és
Tu, de que tudo vem
E a quem tudo volta.
Nunca te arvoras em dominador.
....................................................
Assim também o sábio sempre serve,
Realizando grandes coisas,
Sem se ufanar da sua grandeza.

EXPLICAÇÃO: Esta apoteose da Divindade lembra as palavras de Santo Agostinho: 'Ó Deus! Formosura sempre antiga e sempre nova - quão tarde te amei!... Tu estavas em meu coração - e eu te buscava lá fora... Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo... E então tu me chamaste em altas vozes... rompeste a minha surdez... relampejaste e afugentaste a minha cegueira... rescendeste suaves perfumes em torno de mim, e eu os sorvia - e agora vivo a suspirar por ti... Saboreei-te, e agora tenho fome e sede de ti... Tocaste-me de leve - eu me abrasei em tua paz.

Quanto mais te possuo, tanto mais te procuro... Que eu me conheça a mim para que te conheça a ti'.

Lembra também as palavras de Jesus a seus discípulos: 'Os reis e príncipes deste mundo são chamados grandes, porque são servidos por seus súditos. Entre vós, porém, não há de ser assim; aquele que dentre vós quiser ser grande seja o servidor de todos'."

(Lao-Tse - Tao Te King, O Livro Que Revela Deus - Tradução e Notas de Huberto Rohden - Fundação Alvorada para o Livro Educacional, Terceira Edição Ilustrada - p. 97/98)


sábado, 24 de junho de 2017

SABEDORIA NA PRÁTICA (1ª PARTE)

"Cada época revela pessoas que se tornam ícones para a sua geração e as gerações futuras. São pessoas que inspiram por seus feitos, personalidade, genialidade... Enfim, inspiram porque são diferenciadas. Salomão foi o mais sábio dos governantes em todos os tempos. Sua vida é fonte de inspiração.

Transcrevo aqui um trecho da vida desse rei: 'Tendo a rainha de Sabá ouvido a fama de Salomão, veio prová-lo com perguntas difíceis. Chegou a Jerusalém com grande comitiva, camelos carregados de especiarias, muitíssimo ouro e pedras preciosas... Salomão lhe deu resposta a todas as perguntas e nada houve que não soubesse explicar. A rainha de Sabá, vendo toda a sabedoria de Salomão, o palácio que construiu, a comida de sua mesa, a casa de seus oficiais, o serviço de seus criados e as roupas deles e seus copeiros, (...) ficou perplexa e disse ao rei: 'Foi verdade a palavra que ouvi a teu respeito. Eu, contudo, não cria até que vim e vi com meus próprios olhos. E o que me contaram não é nem a metade de tudo o que vi e ouvi aqui. Felizes são teus empregados e todos aqueles que convivem contigo.' Salomão presenteou a rainha de Sabá com muitos presentes, mais do que ela lhe havia ofertado, e atendeu abundantemente a todos os seus desejos.'

Um dos princípios chave para entender a sabedoria é a sua efemeridade. Quem a julga ter já a perdeu, e quem a busca encontra-a na própria busca. Sabedoria não é um destino; é antes um caminhar. o sábio deseja continuar a jornada cada vez mais, suavemente e em equilíbrio de vida. No entanto, para isso, acerca-se de um tipo de sabedoria muito necessária àqueles que desejam ser governantes e gestores efetivos. Num sentido amplo, a sabedoria é contagiante e expansiva. A rainha de Sabá saiu de sua terra e vai ao encontro de Salomão, atraída por aquilo que ouviu sobre ele. A fama do rei transbordou o limite de seu reino e gera admiração.

Até então, ela tinha o conhecimento dos fatos atribuídos a Salomão, que, de tão extraordinários, requeriam que fossem vistos. Desse encontro, impressiona-me alguns detalhes que fazem a diferença na qualidade do governo e da gestão. Salomão manifesta um tipo de sabedoria capaz de objetivar-se na vida. Não é um concurso de palavras e frases maravilhosas, é uma vida que se pode observar, que inspira e contagia. (...)"

(Homero Reis - Sabedoria, a competência perdida - Revista Sophia, Ano /10, nº 39 - p. 14)


domingo, 4 de junho de 2017

O MALTRATO DOS ASPIRANTES (PARTE FINAL)

"(...) Os traidores e obstrutores, por outro lado, geram grandes adversidades para si mesmos que podem assumir duas formas particulares, entre outras. Uma é de atrair a atenção e tornarem-se instrumentos dos poderes das trevas, que procuram esmagar toda centelha de espiritualidade em cada ser humano. A outra adversidade consiste em obstruções em sua própria busca da verdade, da luz e do Instrutor. Em vez de ser claro, seu caminho é escuro e difícil. Isto pode ter sido causado não só pela ação direta de um caráter adverso, mas pela negligência, pela indiferença a um aspirante, por ter falhado em levar em consideração seriamente suas questões, seu apelo por ajuda e, em geral, deixar de ver a importância das mudanças interiores que estão ocorrendo no buscador. Este 'pecado de omissão' também gera adversidades, tais como o malogro em encontrar um auxiliar imediato e amigos mais avançados, e obstáculos domésticos, entre outros. 

Os ocultistas deveriam, com sabedoria e tato, estar à procura e ajudar toda a pessoa que encontram que está buscando a luz, mesmo que pareça que ela tenha começado mal. Pois é o fato de estar procurando que é de suprema importância.

Apesar deste conselho aplicar-se à vida oculta em particular, ele consiste na verdade no simples ato de ser amável em todas as ocasiões, mesmo quando a amabilidade tiver que ser firme. No entanto, estes fatos bastante simples e óbvios são muito negligenciados, e seria bom chamar a atenção dos teosofistas, especialmente dos principiantes, para eles. A verdade, infelizmente, é que muitas pessoas são afastadas da Senda, talvez por toda uma encarnação, pela intromissão de parte daqueles que deveriam saber como se portar corretamente."

(Geoffrey Hodson - A Suprema Realização através da Yoga - Ed. Teosófica, Brasília, 2001 - p. 158/159


quinta-feira, 25 de maio de 2017

A AUTÊNTICA ESPIRITUALIDADE (1ª PARTE)

"O que é espiritualidade? O termo tende a ser usado livremente e muitas vezes tem algo de vago. Aliás, poderia ser útil começar fazendo uma consideração sobre o que a espiritualidade não é. Primeiro, não é sinônimo de psiquismo. Hoje em dia  são oferecidas muitas buscas aparentemente espirituais, prometendo coisas maravilhosas. Essas coisas podem puxar as pessoas em muitas direções ao mesmo tempo, mas não satisfazem nossos anseios mais profundos. É provável que as fraquezas de um indivíduo que prematuramente obtém certos poderes psíquicos aumentem em tal situação, levando talvez a um senso inflado de autoimportância, à ilusão de que a pessoa é extraordinariamente especial, com mensagens de grande significação para o mundo.

Um indivíduo assim pode - ou não - ser ético. Em muitos casos, sem verdadeira preparação moral, o desenvolvimento deliberado de poderes psíquicos pode ser inútil. É mais sábio deixar que tais habilidades desabrochem naturalmente no decorrer da evolução, em vez de serem artificialmente aceleradas.

Em segundo lugar, espiritualidade não é algo que pode ser produzido rapidamente, nem pode ser conferida por outro. Em terceiro, a espiritualidade não surge automaticamente só porque a pessoa torna-se culta em questões religiosas; não é algo superficial, resultado da busca egoísta do saber.

Sendo assim, o que é espiritualidade? Primeiro, a espiritualidade autêntica transcende o reino psíquico. É um desejo profundo, genuíno, de se conectar conscientemente com o divino. Quando a espiritualidade é genuína há uma firme convicção da mais profunda sacralidade no interior de toda vida, que se expressa naturalmente num viver ético. No livro The Nature of Nature, Klaus Klostermaier cita o famoso cientista Konrad Lorenz, que via o maior perigo para a humanidade 'não na ameaça nuclear ou na crise ecológica, mas na progressiva decadência e desintegração da ética e da moralidade. (...)"

(Linda Oliveira - A renovação da sociedade - Revista Sophia, Ano 8, nº 31 - p. 32/33)


quarta-feira, 24 de maio de 2017

A RENOVAÇÃO DA SOCIEDADE

"Viajamos à lua, descobrimos evidência de água em Marte, escalamos o Monte Everest e, no fundo dos oceanos, descobrimos formas de vida desconhecidas. Mas há uma outra busca que é a aventura última do ser humano. As questões que caracterizam essa busca transcendem o mundo físico, podem confundir a ciência moderna e não podem ser respondidas por meio de medições físicas, câmaras sofisticadas ou qualquer tecnologia moderna.

O professor Kurt Dressler definiu essa procura como 'a busca fundamental do ser humano por sua essência e o fim de nossa enigmática existência num mundo multifacetado'. Ela pode nos levar à religião, à filosofia ou à ciência. Mas no fim é também uma busca de nossa natureza mais profunda, refletida cada vez mais em nossa espiritualidade emergente. 

O que é uma sociedade? Falando simplesmente, é uma comunidade, um grupo de pessoas. Quando consideramos a sociedade humana podemos reduzi-la da complexidade de muitas instituições e elementos culturais aos seus alicereces essenciais, isto é, aos 6,8 bilhões de pessoas no planeta. O filósofo J. Krishnamurti descreveu a sociedade fundamentalmente como relacionamento: 'Os seres humanos em todo o mundo tentaram criar uma sociedade justa, exterior. Mas a sociedade é nosso relacionamento mútuo.'

Com relação a isso um jornalista da BBC fez um resumo oportuno do século 21, escrevendo que o maior impacto desta década, que estabeleceu o tom e definiu a era, veio de 'você'. Segundo ele, a revista Time acertou quando, em 2006, transformou 'você' na personalidade do ano, colocando um espelho na capa. 'Você', escreveu o jornalista, lutou de maneira crescente contra as instituições que supostamente lhe deveriam representar ou agir em seu interesse. Você perdeu a fé nos bancos, nos políticos e nas companhias que colocaram alimento em sua mesa.' E quando você pode fazer algo a respeito na internet, comentou ele, você floresce. O maior conflito na década que passou, segundo ele, foi entre você e suas expectativas. Em outras palavras, ele vê esta década como de autointeresse, autoexpressão e conflito nos relacionamentos - nesse caso, entre o indivíduo e as instituições sociais. Poderíamos acrescentar que o autointeresse parece ser uma característica mais ou menos perene da humanidade.

Os relacionamentos assumem várias formas. Não apenas nos movemos para o exterior rumo aos outros, como a polaridade da vida também determina que, no tempo devido, devemos nos mover para o interior, através dos campos da nossa consciência, rumo à transcendente fonte da seidade, que Helena Blavatsky chamou de realidade última. Durante milênios, usando meios destrutivos, a humanidade perdeu a inocência; talvez agora se tenha tornado sofisticada demais para seu próprio benefício. Para muitos, no entanto, um relacionamento florescente com o espiritual ajuda a trazer uma perspectiva de vida mais equilibrada."

(Linda Oliveira - A renovação da sociedade - Revista Sophia, Ano 8, nº 31 - p. 30)


sábado, 13 de maio de 2017

O DESPERTAR DA ILUMINAÇÃO (1ª PARTE)

"Apesar dessas mudanças, a história da busca seguia linhas tradicionais. Monstros ou outros perigos sempre cercavam o viajante, e tinham que ser vencidos antes que a transformação fosse alcançada. A jornada do herói é um símbolo do ciclo da vida, morte e renascimento, uma parte essencial dos mistérios e mitos de muitas épocas e culturas.

Talvez por ser mais conhecida, essa jornada é algo com que todos nos identificamos. A busca espiritual, no entanto, é como o Graal: cercada de mistérios. Não temos como saber o nosso destino antes de chegar. A procura do Graal é como a jornada para uma nova visão do próprio eu. Por isso, as interpretações generalizadas não fazem sentido.

O reino do Graal não é um lugar geográfico, localizado no tempo ou espaço, mas um estado de consciência. É um reino que fica além da nossa consciência em vigília. representa uma transformação alquímica interior. Quando surgir o chamado para essa jornada (que surgirá para todos, porque o despertar parte do cosmo para a nossa alma), ela será diferente para cada um. Não podemos saber os detalhes da busca quando a iniciamos, mas os resultados serão os mesmos para todos: um despertar que resulta em iluminação.

Heráclito afirmou que 'os despertos têm um mundo de coisas em comum; aqueles que dormem têm, cada um, um mundo particular. A mente universal é acessada em comum por todos os indivíduos despertos.' (...)"

(Christine Lowe - A miragem do Graal - Revista Sophia, Ano 2, nº 6 - p. 12)


sexta-feira, 12 de maio de 2017

A MIRAGEM DO GRAAL

"A procura do Santo Graal é uma das mais famosas histórias do Ocidente. Conhecida como 'a jornada da busca', essa peregrinação é um importante símbolo místico, que representa o esforço da mente humana em sua busca por Deus. Mas um símbolo é apenas um indicador, um sinal que pode levar ao sagrado ou santificado; como tal, ainda está aberto a interpretações individuais.

A lenda do Graal foi, muito provavelmente, inspirada pelas mitologias celta e clássica. O Graal ou cálice é apenas um entre muitos exemplos de recipientes, como chifres e caldeirões mágicos, capazes de restaurar a vida. No mito celta, a taça ou caldeirão devolvia a vida, provia saúde, sustento e coragem. Essas qualidades estavam ligadas à natureza e ao ciclo das estações do ano, com suas características de regeneração e fertilidade; faziam parte de um modo simples de vida.

Durante o século XIII, quando a religião cristã substituiu grande parte dos ensinamentos pagãos, um significado espiritual novo e mais austero foi dado ao tema do Graal. Ele passou a representar a cura, a totalidade e acima de tudo a pureza através do sacrifício. Se a busca pelo Graal simboliza nossa própria busca por iluminação, isso faz sentido. Certamente a iluminação trará a cura e o completo senso de unidade com a fonte da vida, onde não há mais separação.

A interpretação cristã da busca fez também surgir um novo herói, o cavaleiro Parcifal. Ele personaliza o fato de que somente um homem de coração puro e inocente poderia encontrar o Graal. Por causa do sacrifício de Cristo por toda a humanidade, o cálice que continha o Seu sangue tornou-se o mais poderoso símbolo de pureza e de transformação para os cristãos. Jesus estabeleceu o exemplo do homem perfeito; desse modo, o Graal passou a representar o objetivo último daqueles que estão na senda espiritual.

O significado do Graal, portanto, mudou da fertilidade e da fartura dos pagãos para a renúncia e o serviço que a vida de Cristo representou. Para os cristãos, ele passou a representar o desenvolvimento espiritual por meio de longas e árduas provações, sacrifícios e sofrimento."

(Christine Lowe - A miragem do Graal - Revista Sophia, Ano 2, nº 6 - p. 11/12)