"Proíba-se e liberte sua alma - assim disseram as religiões. Mas como ser livre andando nos trilhos do permitido e proibido? É como sentir dor e ter que sorrir ao mesmo tempo. Tomar o remédio amargo em vida em troca do néctar após a morte. Mas e se tudo acabar com a morte? 'Largue isso', disseram alguns filósofos; 'religião é opressão'. E muita gente acreditou.
Depois dessa suposta libertação, perguntemos a nós mesmos, mas sejamos honestos: realmente estamos livres? Pense comigo: o que é ser livre? É fazer o que se quer? Por exemplo, se eu precisar de atendimento médico e for a um hospital, e todos lá fizerem só o que quiserem, talvez ninguém queira me atender. Então volto a perguntar: é possível sentir-se livre em uma sociedade assim?
Você pode me dizer: posso fazer só o que quero e livremente serei solidário e farei o bem. Mas quem garante que o outro fará? E o bem que cada um faz, ou pensa que faz, é bom na opinião de quem? Então precisamos de leis, baseadas em um consenso, e, como as leis não podem regular tudo, precisamos de ética, prescrições morais. Assim, voltamos às religiões.
Podemos andar em círculos, da moral, da religião, para a quebra dos padrões de conduta, e depois voltar, sucessivamente. Ou podemos procurar outra via. Se você tem um filho, por exemplo, o qual você ama, diga-me: você o trata bem para cumprir a legislação ou um código de ética, ou porque o bem-estar dele repercute no seu próprio bem-estar? A maioria das pessoas vai responder que é sensível às condições dos filhos e parentes, mas talvez nem todas elas tenham a mesma sensibilidade com a situação dos 'outros'. Na verdade, todos nós queremos viver onde os outros estão bem, mas não nos damos conta disso. Quando estamos distraídos com o nosso próprio sofrimento, não vemos nada, mas quando estamos felizes, percebemos que a nossa alegria não consegue se expandir quando os próximos estão tristes. Se somos ricos, nos sentimos ameaçados com a falta de segurança, e então desejamos morar em um país onde todos são prósperos. No entanto, não refletimos. sobre isso. Somos capazes de sentir fome, portanto sabemos que precisamos comer, mesmo não havendo normas que tornem a alimentação obrigatória. Mas como não percebemos o quanto as condições dos outros nos afetam, não sentimos que precisamos do bem dos outros; assim, precisamos de códigos de conduta para o convívio em sociedade. Pois o nosso sentimento de unidade com o resto da vida ainda não está desenvolvido como a fome. Porque temos consciência do corpo, mas não temos consciência do verdadeiro Eu.
Para refletirmos sobre a liberdade, Rohit Mehta, em seus comentários aos Yoga Sutras de Patanjali (Yoga. a Arte da Integração, Ed. Teosófica), faz uma distinção entre o esforço humano e a expressão espontânea da experiência espiritual. Ele diz: 'Neste ponto o Yoga difere completamente da vida considerada no sentido do empenho moral ou religioso. Em uma vida religiosa, construída sob princípios morais, o esforço humano é o começo e a finalidade.' Por outro lado, ele afirma: 'O homem espiritual possui uma moralidade de natureza elevada e profunda. É natural e espontânea. Não é uma moralidade onde o pensamento busca ser traduzido em ação. Ao invés disso, é uma moralidade que se encontra na natureza de uma expressão da experiência profundamente sentida.'
A reflexão de Mehta mostra que a moral social, mesmo sendo necessária, é provisória e pode tornar-se mecânica e opressiva quando não é oxigenada como um caminho que leva a uma experiência real do ser espiritual, o verdadeiro Eu. Nesse caminho, as regras servem como o mapa da viagem e nos indicam a direção, mas não nos prendem em sua forma, e o seu conteúdo se atualiza e se aprofunda conforme crescemos em consciência ao nos aproximarmos do Ser. Segundo a visão do Yoga, as pessoas são mais ou menos morais conforme mais espessa ou mais fina for a camada egóica que as separam de seu Eu espiritual. O propósito do Yoga é eliminar essa camada egóica, e a ética funciona como uma ferramenta para isso. Depois da realização do ser, no entanto, a moral espiritual é a expressão livre, natural e autêntica daquele que não fará mal ao outro porque sente que o outro é ele mesmo.
Enfim, a outra via do problema da moral é: conhece-te a ti mesmo. Pois o verdadeiro Eu é o Ser que habita todas as coisas; aquele que, por não querer ferir o seu eu, não será capaz de ferir ninguém, independentemente de regras externas. Da mesma forma isso se dá com o fazer o bem, e ilustra as palavras de Jesus, que se sentia uno com toda a criação: 'Todas as vezes que deixastes de fazer a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.'"
(Cristina Szynwelski - Liberdade e Moral - Revista Sophia, Ano 18, nº 86 - p. 22)
Imagem: Pinterest.
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