"Haverá um caminho para pôr fim às distorções? Uma verdade distorcida é uma falsidade. Estamos completamente enredados em nosso passado ou será possível nos libertarmos dele, o mínimo que seja? Se não fosse possível, seríamos como computadores programados, entidades mecânicas, sem possibilidade de mudança. Mas obviamente os seres humanos mudam, não apenas externamente, com a idade, mas também internamente, porque algumas ilusões ficaram pelo caminho.
Como termina a ilusão? Eu posso, por exemplo, vir de uma família onde os filhos são castigados fisicamente, e crescer com a ideia de que isso é certo. Há muitas ilusões desse tipo, em vários níveis; nós as consideramos verdadeiras e agimos baseados nisso. Existem superstições; é possível nos livrarmos delas com investigação intelectual. Há as ilusões psicológicas - mágoas, inimizades, lisonjas, preconceitos resultantes da dor. Finalmente, há a ilusão de que somos indivíduos separados, como assinalaram tantos sábios. Suas palavras podem não soar verdadeiras para nós, mas é preciso lembrar quantas ilusões consideramos verdadeiras. Algo que achamos tremendamente importante pode não ser. Quando a mente, com todas as ilusões, interpreta as experiências e os fenômenos que observa, o que então assegura que ela veja a verdade e não um preconceito? Como ocorre o crescimento da sabedoria?
Toda vez que a consciência humana tem um insight, por menor que seja, uma parte de suas ilusões desaparece e há uma verdadeira transformação da consciência. Isso pode não ser iluminação, mas é uma real mudança no modo como a consciência responde a fenômenos externos. Se a pessoa, por exemplo, concluiu por si mesmo que comparar-se a outra é uma doença da mente que leva a todo tipo de complicações, já que dá origem ao ciúme, à inveja, sentimentos de superioridade ou inferioridade, à culpa, rivalidade e competição; se ela vê a verdade disso, não de maneira lógica ou intelectual, mas efetivamente, através de sua própria percepção, a comparação cessa. Então ocorre uma verdadeira transformação. Se a pessoa deixa de se comparar ao vizinho que tem um carro novo, então pode continuar feliz andando de bicicleta. Ela se liberta de uma ilusão e do correspondente desperdício de energia. Todos nós temos essa possibilidade de insight profundo, quando a percepção da verdade age sobre a consciência.
Para compreender o significado do caminho, deve-se entender como essa aprendizagem ocorre - não apenas a aprendizagem na escola ou através da leitura, que é aumento de conhecimento, mas a aprendizagem que é o discernimento entre o verdadeiro e o falso. Com a percepção da verdade, o falso desaparece sem esforço. Aprendizado, nesse sentido, é a mente religiosa. Se eu não tiver a capacidade de aprender, o caminho oferecerá apenas experiências - de meditação, de yoga, de adoração em um templo, de realizar um ritual. A experiência, por si mesma, não ensina. Se ensinasse, todas as pessoas idosas seriam sábias, mas os idosos podem ser extremamente preconceituosos.
Um dos fatores que bloqueiam o insight ou causam distorção na percepção é o que chamamos de ego. Precisamos entender como ele surge e opera. O ego não está no mundo físico. Também não existe na natureza. As árvores não têm ego: as tempestades sopram, os ciclones chegam, mas não têm motivação para destruir. O ego só é encontrado na consciência humana. Isso significa que criamos com ele o que obtivemos através da evolução, ou seja, a capacidade de pensar, lembrar e imaginar. É preciso descobrir se aprendi a usar essa capacidade corretamente ou se estou bloqueando o meu próprio aprendizado. O 'eu' pode ser o maior bloqueio à percepção da verdade.
O ego não é algo distante; todos nós o conhecemos e percebemos. Quando dizemos às crianças que é importante jogar um jogo sem dar tanta importância a ganhar ou perder, estamos pedindo que não joguem de maneira egoísta. O Bhagavad Gita fala sobre agir sem preocupação com recompensa ou resultado. Nossa preocupação deve ser com a própria ação. Se isso é possível num jogo, porque não na vida diária?"
(P. Krishna - Um caminho para a verdade - Revista Sophia, Ano 15, nº 65 - p. 22/23)
Imagem: Pinterest.
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