"Não haveria nenhuma possibilidade de chegar a conhecer a morte se ela acontecesse só uma vez. Mas felizmente a vida não é mais que uma contínua dança de nascimento e morte, um bailado de mudanças. Toda vez que ouço o sussurrar de um ribeirão de montanha, ou as ondas quebrando na praia, ou ainda as batidas do meu coração, escuto o som da impermanência. Essas mudanças, essas pequenas mortes, são nossos elos vivos com a morte. Elas são o pulso da morte, o coração dela batendo, incitando-nos a largar todas as coisas a que somos apegados.
Vamos então trabalhar com essas mudanças agora, durante a vida: esse é o verdadeiro modo de nos prepararmos para a morte. A vida pode ser cheia de dor, de sofrimento e dificuldades, mas todas essas experiências são oportunidades que nos são dadas para nos ajudar a aceitar emocionalmente a morte. E só quando acreditamos que as coisas são permanentes que perdemos a oportunidade de aprender com a mudança.
Se desperdiçarmos essa possibilidade, fechamo-nos e nos deixamos dominar pelo apego. O apego é a fonte de todos os nossos problemas. Uma vez que a impermanência para nós é sinônimo de angústia, agarramo-nos desesperadamente às coisas, mesmo que todas elas mudem. Vivemos com pavor de soltar, com pavor do próprio viver, já que aprender a viver é aprender a soltar. E essa é a tragédia e a ironia da nossa luta pela permanência: ela não só é impossível, como nos traz exatamente a dor que procuramos evitar.
A intenção por trás da atitude de agarrar pode não ser ruim em si mesma; não há nada de errado com o desejo de ser feliz, mas aquilo a que tentamos nos agarrar é por natureza impossível de ser agarrado. Os tibetanos dizem que não se pode lavar a mesma mão suja duas vezes na mesma água corrente, e acrescentam: 'Não importa o quanto você esprema um punhado de areia, jamais obterá óleo dele'. (...)"
(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 57)
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