"Compreenderemos isso melhor se analisarmos alguns exemplos em que, segundo dizemos em linguagem corrente, não é suficientemente forte a nossa vontade. Imaginemos que decidimos nos levantar às seis horas da manhã. Quando chega a hora e despertamos, nos sentimos naturalmente sonolentos e preguiçosos. Se então empregássemos corretamente a vontade, não haveria dificuldade em nos levantar, porque manteríamos esse pensamento único, excluindo qualquer outra coisa, e não haveria conflito. Mas o que realmente fazemos é consentir que nossa imaginação criativa se entretenha com o problema de levantar-nos. Começamos a considerar, por um lado, a incômoda sensação de frio ao sairmos de nossa cama aquecida e o quanto será desconfortável nos vestirmos sem a luz do dia; e, por outro lado, imaginamos quão agradável seria permanecermos um pouco mais na cama e voltarmos a dormir.
Assim, criamos imagens que tendem naturalmente a se concretizarem em ato, fazendo-nos permanecer na cama. Quando começamos a resistir, a resistência é muito débil. E mesmo se formos vencedores, teremos colocado diante de nós próprios uma luta inteiramente desnecessária, consumindo vitalidade, e que teria sido facilmente evitada se houvéssemos compreendido a verdadeira função da vontade. Ao não levantarmos, teremos demonstrado sinais não de uma vontade fraca, mas de uma imaginação indisciplinada. O reto uso da vontade seria o de manter o pensamento criativo, ou imaginação, centrado, focalizado em uma única ideia: de levantar-nos da cama, com exclusão de qualquer outro pensamento. Dessa maneira, não permitiríamos que a imaginação jogasse com tais pensamentos, como o incômodo de nos levantar e a comodidade de permanecer na cama, e assim não encontraríamos nenhuma dificuldade em nos levantar imediatamente.
Por certo, Hamlet expressou uma profunda verdade psicológica quando disse que 'o matiz nativo da resolução se descolora com a pálida influência do pensamento'. É a força da vontade interior, para manter a consciência focada em um único ponto de interesse e excluir qualquer ideia, sentimento, pessoa ou influência, que irá intervir e não permitir a tentação ao desvio.
Citemos outro exemplo. Muitos de nós conhecemos, por experiência, a desagradável sensação que nos surpreende quando estamos a ponto de nos atirar à água de grande altura. Determinamo-nos a saltar, mas no momento crítico titubeamos e necessitamos de algum tempo para nos armarmos de valor e nos lançarmos à água. O que realmente ocorreu é que permitimos que a imaginação criasse uma imagem aterrorizante do mergulho que estamos para fazer e da conveniência de não o fazermos. Tendo criado a imagem, nos vemos naturalmente impedidos por ela, e o salto na água começa a nos trazer terror, ao passo que antes nos parecia tão atrativo. O meio de evitar a vacilação é novamente manter focalizada a vontade no lançamento à água e excluir todo pensamento, sentimento ou influência que possam impedi-lo Então descobrimos que não há dificuldade em simplesmente realizar nosso propósito."
(J.J. Van Der Leeuw - Deuses no Exílio - Ed. Teosófica, Brasília, 2013 - p. 47/48)
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