"(...) Enquanto não tiramos a máscara do ego, ele continua a nos vendar os olhos como um político sem-vergonha reprisando continuamente suas falsas promessas, ou um advogado inventando engenhosas mentiras, ou um animador de auditório falando sem cessar, de quem jorra um palavrório maneiroso, ocamente convincente, que na realidade não diz absolutamente nada.
Vidas inteiras de ignorância nos levaram a identificar a totalidade do nosso ser com o ego. Seu maior triunfo é nos convencer de que seus maiores interesses são os nossos, e chega a identificar a nossa própria sobrevivência com a sua. Isso é uma terrível ironia, considerando-se que o ego e o seu agarrar-se são a raiz de todo nosso sofrimento. Mas o ego é tão convincente e nós temos sido seu trouxa por tanto tempo, que só o pensamento de ficarmos sem ego nos aterroriza. Ficar sem ego, ele nos sussurra, é perder todo o rico romantismo de ser humano, ser reduzido a um robô sem cor ou a um vegetal sem cérebro.
O ego tem um desempenho brilhante no nosso medo fundamental de perder o controle, e em face do desconhecido. Podemos dizer a nós mesmos: 'Eu realmente devia abrir mão do ego, estou sofrendo tanto! Mas se fizer isso, o que me acontecerá?'
O ego fará coro docemente: 'Sei que às vezes sou inconveniente e, pode me acreditar, compreendo perfeitamente que você queira que eu me vá. Mas é isso mesmo o que você quer? Pense: se eu for mesmo, o que será de você? Quem tomará conta de você? Quem o protegerá e cuidará, como fiz todos estes anos?'
E ainda que possamos ver além das mentiras do ego, estamos assustados demais para abandoná-lo; porque sem um verdadeiro conhecimento da natureza da nossa mente, ou real identidade, simplesmente não temos outra alternativa. Vez após vez nós nos afundamos diante das suas exigências, com o mesmo triste ódio de si próprio do alcoólatra buscando o copo que ele mesmo sabe vai destruí-lo, ou da drogada tateando em busca da dose que, ela sabe, depois da breve viagem só vai deixá-la deprimida e desesperada."
(Sogyal Rinpoche - O Livro Tibetano do Viver e do Morrer - Ed. Talento/Ed. Palas Athena, 1999 - p. 159/160)
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