"(...) O conceito de impermanência desempenha um papel crucial no pensamento budista, e a contemplação da impermanência é uma prática essencial. A contemplação da impermanência atende a duas funções de vital importância dentro do caminho budista. Num nível convencional, ou num sentido corriqueiro, quem pratica o budismo contempla sua própria impermanência - o fato de que a vida é frágil e de que nunca sabemos quando iremos morrer. Quando se associa essa reflexão a uma crença na raridade da existência humana e na possibilidade de se alcançar um estado de Liberação espiritual, de se estar livre do sofrimento e dos intermináveis ciclos de reencarnação, essa contemplação serve para aumentar a determinação do praticante para usar seu tempo com maior proveito, dedicando-se às práticas espirituais que propiciarão essa Liberação. Num nível mais profundo, o da contemplação dos aspectos mais sutis da impermanência, da natureza impermanente de todos os fenômenos, tem início a busca do praticante pela compreensão, pela dissipação da ignorância, que é a origem primordial do nosso sofrimento.
Portanto, embora a contemplação da impermanência tenha um enorme significado dentro de um contexto budista, surge a pergunta: será que a contemplação e compreensão da impermanência têm alguma aplicação prática no dia a dia também dos não budistas? Se encararmos o conceito de 'impermanência' a partir do ponto de vista da 'mudança', a resposta é um absoluto 'sim'. Afinal de contas, quer encaremos a vida de uma perspectiva budista, quer de uma perspectiva ocidental, permanece o fato de que a vida é transformação. E na medida em que nos recusemos a aceitar esse fato e ofereçamos resistência às naturais mudanças da vida, continuaremos a perpetuar nosso próprio sofrimento.
A aceitação da mudança pode ser importante fator na redução de uma boa proporção do sofrimento que criamos para nós mesmos. É muito frequente, por exemplo, que causemos nosso próprio sofrimento, recusando-nos a nos desapegar do passado. Se definirmos nossa própria imagem em termos da aparência que tínhamos no passado ou em termos do que costumávamos conseguir fazer e não conseguimos agora, é bastante seguro supor que não vamos ficar mais felizes quando envelhecermos. Às vezes, quanto mais tentamos nos agarrar ao passado, mais grotesca e deformada torna-se nossa vida.
Embora a aceitação da inevitabilidade da mudança, como princípio geral, possa nos ajudar a lidar com muitos problemas, assumir um papel ativo, por meio do aprendizado específico sobre as mudanças normais na vida, pode prevenir uma proporção ainda maior da ansiedade rotineira que é a causa de muitos dos nossos problemas. (...)"
(Sua Santidade, O Dalai Lama e Howard C. Cutler - A Arte da Felicidade - Livraria Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo, 2000 - p. 185/186)
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