"(...) As crianças permanecem felizes mesmo em circunstâncias difíceis. Elas brincam, distraem-se com qualquer coisa que haja em torno e continuam felizes. A questão de aceitar ou não as mudanças não surge no caso das crianças, porque para elas a vida é uma brincadeira; quando o brinquedo deixa de ser interessante, elas simplesmente o abandonam para fazer alguma outra coisa. Assim, quase como uma criança, podemos abrir mão de algo divertido ou belo. Mas não conseguimos fazê-lo quando a coisa permanece na memória; queremos experienciar o mesmo repetidamente, talvez com alguma pequena mudança que nos agrade. Portanto, o sentimento do 'eu' é criado por uma atitude que recusa aceitar o que não pode ser eterno.
Nenhum de nós é o tipo de indivíduo independente que pensamos ser. Faz parte do eu imaginar-se um indivíduo forte (se possível, mais forte do que qualquer outro). Mas se investigarmos em profundidade, descobriremos que, como qualquer outra pessoa, somos dependentes de muitas coisas diferentes para nossa existência, e que é enganoso o conceito de uma entidade permanentemente independente.
É útil não apenas pensar, mas também meditar a respeito disso. Não será de curta duração esse corpo e essa situação na qual nos encontramos? Podemos viver durante cem anos, mas o que são cem anos na história? Nada. Assim, as perguntas que temos de nos fazer são: 'O que vive realmente? O que é o sentimento de ego que surge em nós?' Devemos responder a essa pergunta por nós mesmos. Certamente existem filosofias que afirmam existir um Atman (espírito universal) permanente, a raiz de tudo que existe. Mesmo que seja assim, temos que entender o pequeno eu e as muitas coisas que experienciamos como ilusão."
(Radha Burnier - O caminho do desapego - Revista Sophia, Ano 10, nº 40 - p. 22)
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