"Nos tempos antigos, comparava-se a vida mundana ao girar de uma roda. Aquele que nasce como príncipe pode tornar-se escravo, dizia-se, e um serviçal pode se alçar a uma elevada posição. Ninguém pode ter certeza de que a felicidade de hoje existirá amanhã. A roda de samsara, de renascimentos e mortes, é um símbolo da incerteza em um mundo em constante mudança; ninguém está livre de perder o que possui.
A condição mundana também é comparada ao oceano da vida (bhavasagara), cheio de perigos, sacudido por tormentas, habitado por tubarões e outras criaturas vorazes. Mas mesmo aqueles que concordam com essas imagens raramente levam a sério a necessidade de mudança, e continuam vivendo com as incertezas e os perigos como se eles não existissem. O perigo não é apenas perder posses ou status; é ser arrastado impotente pelas correntes do oceano, agindo mecanicamente, inconsciente do que está acontecendo, sem um rumo moral e espiritual.
Uma terceira descrição da vida mundana são as palavras bhava-roga: uma doença grave. Assim como a doença enfraquece cada célula do corpo, fazendo-o perder a saúde e por fim produzindo a morte, pertencer ao mundo é uma aflição psicológica constituída de distorções mentais que levam à desintegração moral e espiritual. Apesar das incertezas, uma coisa é quase certa - a influência dos opostos, esperanças e medos, resultará em agitação mental e perda da paz.
Essa é a experiência, em maior ou menor grau, de quase todas as pessoas. A esperança de crescer, ganhar afeto, 'tornar-se alguém' e assim por diante é acompanhada pelo medo do fracasso e da perda. Oriundas dos opostos básicos (temor e esperança) surgem outras dualidades. A esperança realizada leva à exultação: não realizada, à frustração. A mente balança entre a exasperação e o gozo, e ignora os valores e os propósitos da vida. (...)"
(Radha Burnier - Estar no mundo e viver em paz - Revista Sophia - Ano 11, nº 41 - p. 27/28)
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