"(...) Durante toda a vida busquei o motivo para a identificação do masculino com a espiritualidade máxima e as características que estariam ligadas à espiritualidade feminina. A busca histórica revelou os arquétipos que foram construídos através dos tempos. Descobri que a primeira concepção humana de Deus foi feminina. Nos cantos mais distantes da Terra, onde surgiram as mais antigas civilizações, lá está a Deusa-Mãe. Ainda que rudemente talhada por uma civilização nascente, a Mãe, o maior arquétipo de todos, é a divindade máxima. É dela que vêm os seres, e é para ela que retornam. A mulher, sua sacerdotisa, é a conexão do mundo físico com o mundo divino, a representante da Deusa-Mãe, pois é através dela que os seres nascem. A vida, sua concepção e morte, tudo é um grande mistério. O céu estrelado é o manto da Mãe, as árvores, plantas, frutos e animais são o seu reino, os seus símbolos. Ela lida com a terra e descobre os segredos das plantas, inventa a medicina.
O reinado feminino acaba quando o homem descobre o seu papel na fecundação e perde o medo de impor as regras pela força física, mas o símbolo da mulher permanece nas deusas de todas as civilizações onde há uma representação divinizada do feminino. As madonas são a expressão do amor que cada mãe dedica aos seres que coloca no planeta. As madonas negras demonstram a antiguidade do culto, lembrando a terra e uma humanidade que, segundo a ciência, nasceu negra. O papel da mãe na família é fundamental. Sua reza acompanha e guarda os filhos em segurança. É a proteção segura do amor verdadeiro e dedicado, verdadeira magia, incontestável.
Um outro aspecto do feminino na espiritualidade é a dedicação ao outro, uma expansão do amor materno voltado para a caridade e para o próximo. Um exemplo recente é Madre Teresa de Calcutá, cuja importância do trabalho realizado para os necessitados foi reconhecida até por grupos religiosos não católicos, mesmo os que não costumam dar espaço às mulheres. Ela representa outro importante arquétipo do feminino que sempre foi respeitado e aceito, levado à sua expressão máxima e indiscutível.
Outro arquétipo é o da beleza; existem deusas que representam esse aspecto. Apesar de ter sido explorado na sua expressão mais física em templos da antiguidade, onde havia a 'prostituição sagrada' em benefício dos templos, o conceito de beleza e de sabedoria está ligado ao feminino. Sócrates descreve o ensinamento que recebeu da sacerdotisa Diotima sobre a busca da beleza, em que o interesse humano é despertado pelos dotes físicos, cresce em direção à contemplação da beleza da alma, dos belos ideais, chegando à realização da beleza em si e à descoberta da divindade. Deusas representam as artes, a sabedoria e a beleza na Grécia, em Roma, na Índia e outros lugares do mundo."
(Regina Celi Medina - A espiritualidade e o feminino - Revista Sophia, Ano 11, nº 43 - p. 15/16)
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