"Inocência é a qualidade inerente às crianças que, juntamente com sua inexperiência e naturalidade, são responsáveis por seu enorme encanto. Estamos todos familiarizados com a citação, 'A não ser que...vos torneis como criancinhas, não entrareis no reino dos céus', que é o estado ou consciência espiritual, que ao ser penetrado confere um segundo nascimento.
A alma vem a cada encarnação desprovida de memórias prévias - início melhor não é possível. Por causa de inexperiência e falta de percepção aprendemos os caminhos do mundo com muita rapidez; nossa grande necessidade é esquecê-los. A inocência não deve ser interpretada como mera falta de conhecimento; o conhecimento deve ser acrescido à inocência sem destruí-la.
Somos inocentes no devachan ou céu, quando nos despimos de nossa vestimenta de má vontade, preconceito e paixões pessoais. Mas, em cada nova encarnação, a consciência da entidade reencarnante torna-se imperceptivelmente aprisionada numa multifacetada colmeia de memória com grande quantidade de cera, que é manufaturada pela interação entre a consciência e as sensações que experimenta. É verdadeiramente da fina clausura desta memória, elaborada com o tecido de cada tendência embutida e transmitida, que a alma tem de ser liberta.
A reta memória é um dos passos do Nobre Caminho Óctuplo. Essa memória, na medida em que é subjetiva, corporificando cada impulso contínuo, é um organismo vivo, pulsante, que atua com automatismo mecânico. É verdadeiramente em nosso passado, a herança de nossos momentos de iniquidade, a que estamos presos e retidos. É a rede da qual precisamos libertar-nos. Colmeia, clausura, rede são todas figuras para descrever nosso aprisionamento psicológico.
Dizem que nossa memória, que é do passado, deve tornar-se uma veste fria destituída de qualquer conteúdo vivo. Devemos cessar de ter quaisquer reações aos incidentes aí registrados. Isto é libertar-se do karma, os elos e apegos do tempo. Involução nessas memórias que nascem do contato, para usar uma frase do Bhagavad-Gita, é involução no karma, que é autocriado. Karma, memória, tempo são todos contínuos com a rede de reações que constitui nossa entidade pessoal. A dissolução dessa entidade pessoal é verdadeira inocência. Quando o homem atinge essa inocência, ele considera o mundo com olhos não egoístas, sensíveis e receptivos; e todas as coisas na Natureza são seus tutores."
(N. Sri Ram - O Interesse Humano - Ed. Teosófica, Brasília, 2015 - p. 76/77)
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