"(...) É estranho! não há nada que tão radicalmente desarme o nosso adversário como pedir-lhe um favor ou reconhecer a sua superioridade.
Se dou um empurrão involuntário a um vizinho, ou lhe piso num pé, ele me olha furioso, e enquanto me calo o esbarro parece significar: Eu tenho o direito de fazer isto, porque eu sou superior e tu és inferior! Mas no momento em que profiro a palavrinha mágica 'desculpe!' tudo mudou, os céus se desanuviam, porque desde esse momento o objeto do esbarro se sente superior ao sujeito do mesmo, porquanto este, pelo fato de dizer 'desculpe', confessa a sua condição de devedor, conferindo ao outro as honras de credor. É que o nosso querido e inveterado egoísmo se compraz deliciosamente na consciência da sua superioridade. E, estranhamente! quase todos os homens preferem ser inferiores no plano moral do que na zona intelectual; dizer a alguém que é 'mau' é ofensa, mas dizer-lhe que é 'bobo' é ofensa muito maior.
Pedir desculpas ou pedir um favor a alguém é admitir a própria inferioridade ou condição de devedor, e reconhecer no outro superioridade ou condição de credor. Fazer bem aos que nos fazem mal, não é apenas um preceito ético, é também um postulado profundamente psicológico, porque o positivo neutraliza seguramente o negativo e despoja das armas qualquer adversário armado.
Entretanto, toda essa estratégia supõe um grande domínio sobre os nervos, um perfeito controle das emoções instintivas. E esse perfeito controle e domínio nasce do conhecimento experiencial da verdade sobre nosso verdadeiro Eu. Enquanto confundo o meu pequeno ego personal, físico-mental, com o meu grande Eu espiritual, o meu Cristo interno, serei incapaz de manter essa calma e serenidade em face duma suposta ofensa. Digo 'suposta', porque ninguém pode ofender-me realmente, isto é, a 'mim', ao meu verdadeiro 'Eu', uma vez que este se acha para além do alcance de qualquer agressão, ofensa ou vulneração de fora; só pode ser ofendido e vulnerado de dentro, por mim mesmo, e só por mim. O mal que os outros me fazem, ou parecem fazer, não me faz mal, porque não me faz mau; e, antes de fazer, ou parecer fazer mal aos outros, já fez um mal real a mim mesmo. 'O que entra pela boca não torna o homem impuro, mas sim o que sai da boca' (Jesus). O mal que eu sofro como objeto não me atinge na íntima essência do meu ser; mas o mal que eu faço como sujeito, isto sim me atinge e vulnera, porque é produto meu.
Ninguém pode ofender o Eu, mas tão somente o que é meu. Quando Gandhi, pelo fim da sua vida repleta de injustiças, foi interrogado se havia perdoado a todos os seus inimigos, respondeu calmamente: 'Não, porque nunca ninguém me ofendeu.' Como iniciado na suprema verdade sobre si mesmo, sabia o Mahatma que nenhuma das numerosas ofensas recebidas tinha atingido o seu verdadeiro Eu, a sua alma o seu Cristo interno. 'Conhecereis a verdade - e a verdade vos libertará.' (Jesus)"
(Huberto Rohden - O Caminho da Felicidade - Alvorada Editora e Livraria Ltda., São Paulo, 7ª edição - p. 141/143)
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