"Por que e como saímos da gloriosa essência para a dolorosa existência? Que nos prende existindo neste mundo de samsara, padecendo nascimento e mortes? O hinduísmo e o budismo respondem: a causa é trisna. Tanha é outra palavra que o budismo usa. Trishna significa a "sede de viver", o anelo fundamental de continuar existindo, presente não só nos seres humanos, mas em todo vivente. É o que, nos animais, se tem chamado "instinto de conservação". Ora, ninguém "normalmente" anseia por sua própria extinção. Assinalo, no entanto, duas exceções: a desastrosa e impossível fuga por meio do suicídio; e o "instinto de morte", mencionado pelo criador da psicanálise. Mas estes dois casos são indiscutivelmente patológicos. Expressam a morbidez dos desesperados.
É admissível alguém sadio aspirar pela autoextinção?! Parece que não. No entanto, um inteligente e sadio projeto de autoextinção é possível sim, mas somente em pessoas que já constataram, por experiência, a fugacidade de tudo, principalmente da própria existência; que já se deram conta, por outro lado, da eternidade e infinitude de si mesmas, isto é, da essência; que já sabem inequivocamente que serão despojadas para sempre de tudo que supõem ser e possuir; e principalmente preveem que, por tudo isto, estão condenados a sofrer. Só o sábio, por ter vencido a ilusão, se dispõe a trocar o gozo fugidio do existir (preya) pela bem-aventurança eterna do Ser (shreya). O sábio, no entanto, não aspira exatamente à simples e suicida extinção de sua existência. Aspira sim compreender cada vez mais profundamente "aquilo" que o algema à fugidia e falsa existência. "Aquilo" é a obsedante "sede de existir" (trishna ou tanha). Laya Yoga o ajuda nisto. Laya Yoga pode ser entendido como a extinção da vida mesquinha que sempre termina em morte para dar lugar à vastidão da Vida Una onde não há morrer. Laya Yoga é uma busca da "Água Viva" e do "Pão da Vida", mencionados por Jesus.
O corpo é um condenado à morte - todos sabem. Mas a tradicional "sede de viver" tenta inutilmente opor-se a isto. Resultado: sofre por não poder evitar o fim. O corpo morre, mas a "sede" de voltar a viver persiste firme e forte, e é por isto que um novo corpo é engendrado e nasce, prolongando o exílio, o cativeiro em samsara. Trishna é a energia que, segundo Buddha, mantém girando a roda dos nascimentos e mortes. Eis por que estamos programados para renascer e, consequentemente, condenados a remorrer. Tal é a razão de nosso desterro no "reino da morte". É somente quando, graças a uma profunda evolução espiritual, conseguimos minimizar o ego (ahamkara), aquele que quer sempre gozar e nunca sofrer, conseguiremos também saciar o tipo de "sede" que obrigava a samaritana a sempre retornar ao "poço de Jacob" para dessedentar-se. É extinguindo trishna (a "sede"), que o ser humano alcança o ansiado acesso à Vida-sem-morte, à verdadeira Vida, à da Essência. O Cristo confirmou isto:
Quem ama sua vida [trishna] perdê-lo-á; mas quem aborrece a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. (Jo 12:25)
Falando à mulher samaritana, à borda do "poço de Jacob", o Cristo prometeu-lhe a verdadeira Vida, oferecendo-se como a "Água Viva", isto é, aquele que dessedenta para sempre:
Quem beber da água que eu lhe der, não terá mais sede no futuro; mas a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que mana para a vida imanente. (Jo 4:14). (...)"
(José Hermógenes - Iniciação ao Yoga - Ed. Nova Era, Rio de Janeiro - p. 115/116)
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