" (...) A maioria das ilusões não sobrevive a uma bateria de perguntas e respostas sinceras. Outras podem acabar revelando necessidades não preenchidas. Ilusão não enche barriga e se não preenchemos nossas necessidades de modo verdadeiro, o mecanismo de desejo e frustração só aumenta. Precisamos ter vida real, trabalhar, nos relacionar com os outros, comer, vestir, dormir, de forma equilibrada e harmônica. Precisamos conhecer a vida e nos tornar gente. Esse é o pasto verdejante disponível para alimentar o cavalo, mas ele não vê, pois está iludido com o desejo. Assim fica mais claro entender por que Krishnamurti disse que o desejo é a raiz da ignorância. Quem fica entretido com desejos perde a riqueza da vida que acontece e ensina a cada dia.
A frustração é uma grande professora, que nos ensina a despertar. Hoje, com 40 anos, sinto sincera gratidão pelos pseudoinsucessos da minha vida. Felizmente os romances da minha adolescência fracassaram - teriam sido casamento catastróficos. Sou muito grata pelos empregos que não consegui, viagens que não fiz, dinheiro que não ganhei, coisas que não comprei, prêmios que não recebi e mais uma infinidade de quinquilharias inúteis que desejei e hoje nem mesmo lembro, tamanha a sua insignificância.
Não deixei de ter projetos e muito menos de me esforçar para executá-los, mas não vivo em função de expectativas. Hoje prefiro as coisas simples, as amizades poucas e sinceras, as pequenas obras, os amores possíveis, o anonimato, a vida modesta, o dia atual, o inusitado, e toda a riqueza que posso ver com a diminuição dos desejos na vida cotidiana, na família, nos amigos, nas pessoas conhecidas e desconhecidas, na natureza, no cosmo, nas artes, na filosofia, na ciência, nesse vasto mundo de causas e efeitos, cheio de mistérios, sobre o qual eu tenho tudo a aprender.
Dizem que a vida começa aos 40. Acho que o número é o de menos, mas tenho certeza de que a vida começa com um pouquinho de sabedoria, que se planta com a boa vontade de querer distinguir o que é falso do que é ilusório. Penso que a melhor idade é aquela em que descobrimos que conhecer a realidade é bem melhor que alimentar fantasias. Deve ser verdade, pois Hugo de São Vitor já escreveu sobre isso no século XII: "A velhice daqueles que construíram a sua adolescência em atos honestos com a idade se torna mais douta, com a prática mais calejada, com o andar do tempo mais sábia, e recolhe os frutos dulcíssimos dos estudos anteriores. Por isso, conta-se que aquele homem sábio da Grécia, Temístocles, percebendo que estava morrendo após ter completado 107 anos, ficou triste em ter que sair da vida quando começava a conhecer as coisas."
(Cristiane Szynwelski - Revista Sophia nº 40 - Ed. Teosófica, Brasília - p. 14/15)
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