"A filosofia Samkhya, ensinada pelo Avatar Kapila, na opinião de quase todos os estudiosos, fornece base teórica à Raja Yoga. Mas, também é verdade que a própria Yoga em si já é uma luminosa filosofia autossuficiente. Seu texto básico é o clássico Yoga Sutra, escrito pelo sábio Patanjali. Nelo o problema do sofrimento, da limitação, da insegurança, fragilidade e conflitos que oprimem a existência humana é sabiamente equacionado a partir do estudo de suas causas primeiras, os kleshas.
Para quem já conseguiu desenvolver o discernimento, tudo é miséria por causa das dores provocadas por mudanças, ansiedades e tendências, como também por conta dos conflitos entre as tendências naturais que o homem encontra em sua natureza, e os pensamentos e desejos predominantes em um particular período de tempo. (Yoga Sutra, II:15).
Lamentável é não termos espaço para analisar este aforismo tão sábio, tão profundo. Não podemos porém deixar de comentar a grave e preocupante afirmação de que, aos olhos do homem sábio (aquele que desenvolveu discernimento), "tudo é miséria" - o que parece deprimente e pessimista demais. Esta é também a primeira "nobre verdade" (dukha) das quatro enunciadas por Budha no imortal "sermão de Benares", sua primeira pregação. Aos ouvidos ingênuos de otimistas apressados, a afirmação de que "tudo é miséria" soa como um alarme demasiadamente desalentador e derrotista, portanto, contestável e rechaçável. Não foi somente Patanjali e Budha que emitiram tal diagnóstico. Todos os "sábios" o fizeram, isto é, todos que têm "olhos de ver e ouvidos de ouvir".
Um médico, ao emitir um diagnóstico indesejado, é naturalmente visto como pessimista? De fato ele o seria, caso, imprudentemente e contra seu dever, se negasse a propor um procedimento terapêutico apropriado. Quando os grandes sábios diagnosticam a miséria humana não fazem terrorismo intelectual nem sugestão destruidora, e de forma alguma pretendem deprimir ou denegrir a natureza humana. Realmente o fazem os que falam do homem como "filho do pecado", "pecador".
Os sábios não são maus quando denunciam o mal. Eles o fazem por generosos que são. É mau diagnosticar um mal que efetivamente existe e que, ainda ignorado, cresce, aprofunda raízes e se complica? Os grandes médicos da alma e do corpo sabem que quanto mais cedo e precisamente o mal seja identificado, mais fácil, breve e eficaz será o tratamento. O nobre propósito de diagnóstico é indicar a terapia adequada.
Ao emitir o diagnóstico acima, Patanjali chamou a atenção para o sofrimento humano, que os ingênuos e alienados procuram ignorar ou escamotear com as várias faces do prazer. Aceita a verdade, evidencia-se a necessidade de uma terapia, um caminho, uma solução. Genial terapeuta, Patanjali no sutra seguinte promete:
A dor que ainda não sobreveio, pode e deve ser evitada. (Yoga Sutra, II:16) (...)"
(José Hermógenes - Iniciação ao Yoga - Ed. Nova Era, Rio de Janeiro - p. 37/39)
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